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Aramis

150 minutos de brasilidade (apesar dos microfones)

Rosana Toledo, uma cantora alta, loira e linda, desde 1966 afastada da vida musical brasileira, ao interpretar, com toda sua sensibilidade, "Canção Que Morre no Ar" (Ronaldo Boscoli/Roberto Menescal, 1960), no espetáculo "Cem Anos de MPB (auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, 5a feira) sentiu uma dupla emoção: voltar a cantar num teatro enorme, tão magnífico como o Carnegie Hall de Nova Iorque, e, por coincidência, enfrentando o mesmo problema que 13 anos passados (13/11/62), provocou o fracasso do histórico Concerto da Bossa Nova em seu lançamento nos Estados Unidos: a guerra com os microfones. Em 150 minutos de brasilidade musical Ricardo Cravo Albim, produtor, idealizador e condutor do espetáculo, buscou dar um panorama da evolução de nossa emepebe, numa espécie de trailler dos oito discos lançados pela Tapecar/Projeto Minerva, contendo a série de programas desenvolvidos para o governo e irradiados, desde janeiro último, em rede nacional, aos sábados. Apesar da batalha com a parafernalia eletrônica - cujos ruídos, estalos e circuitos constituíam uma espécie de concerto sonoro extra, eda improvisão na montagem do espetáculo, justificado pelo encaixe de três diferentes grupos instrumentais num roteiro que exigiria no mínimo dois ensaios gerais, "MPB-100" foi um belo espetáculo, ao qual o público, generosamente, aplaudiu de pé. Uma espécie de grande colagem de experiências anteriores de Albim no campo do musical-didático ("Se Você Jurar", estréia nacional no Teatro do Paiol, fevereiro/73, "Do Chorinho ao Samba", "Café Nice", "Da Fossa À Bossa" e "O Sol Nascera", os 3 últimos apresentados somente no Rio de Janeiro) a seqüência musical concebida pelo ex-diretor do MIS-RJ para mostrar a evolução de nosso rico cancioneiro, tem o mérito de proporcionar a um público jovem, totalmente alienado do que existe de melhor em nossa cultura popular, a possibilidade conhecer peças preciosas, a partir de "Flor Amorosa", de Joaquim Antonio da Silva Callado, historicamente reconhecido como primeiro choro, até o encerramento com os novos sambas de morro e das Escolas (de Samba). A primeira parte, em termos de informação didática-cultural, foi a mais rica, a mais bem acabada: o extraordinário flautista e arranjador Altamiro Carrilho, com o seu perfeito regional, apoiando o modinheiro Paulo Tapajós na interpretação de músicas de Chiquinha Gonzaga (Francisca Edwiges Gonzaga, 1847-1935) "Ó Abre-Alas" e "Lua Branca"), Ernesto Nazareth (1863-1934) ("Apanheite Cavaquinho"), Catulo da Paixão Cearense (1866-1945) ("Cabocla Bonita" e "Lua do Sertão"), Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana, 1898-1974), Donga (Ernesto dos Santos 1891-1973) ("Pelo Telefone") e Sinhô (José Barbosa da Silva 1888-1930). Emocionante é o mínimo que se pode dizer desta parte do espetáculo, onde Altamiro, acompanhado por sua jovem esposa, Araci na maracás, fez sua personalíssima homenagem ao mestre Pixinguinha, com o arranjo comovente de "Carinhoso", "1 x 0" e "Lamentos", que teve aplausos, de pé, do público. Um pouco prejudicados pela falta de "molejo" do sambista Gerson de Souza, jovem lançamento da Tapecar, os sambas de Ismael Silva, Ary Barroso Noel Rosa e, principalmente, Lamartine Babo (em especial as marchinhas carnavalescas) não tiveram o acompanhamento da platéia. Neste final, mais uma vez o regional de Altamiro com um arranjo de "Aquarela do Brasil", foi o ponto alto. Com a presença bonita de Rosana Toledo, a segunda parte trouxe os sambas-canções de Antonio Maria (de Araújo Moraes, 1921-64) e Dolores Duran (Adileia da Rocha, 1930-59) e alguns clássicos da Bossa Nova ("Chega de Saudades e "Canção que Morre no Ar"). Nesta parte, um acompanhamento harmonioso do pianista Gebran Sabbag, um dos tecladistas de maior feeling da terra, com Xildo no baixo e Guaracy na bateria. Finalmente, Elsa Soares e seu conjunto, mostraram sambas de Cartola (Agenor de Oliveira, 1908) e Paulinho da Viola (Paulo Cesar Batista Faria, 1942) além de alguns outros compositores, incluindo o próprio Gilsom de Souza. Elsa não é intérprete ideal para os sambas de Cartola ou mesmo Paulinho da Viola, fato reconhecido pelo próprio Ricardo Albim. Seu estilo gritante, denso, não se coaduna com o romantismo simples e quase camarístico do mestre Cartola, em sambas como "Tive Sim" ou "O Sol Nascerá". Apesar disso, o público vibrou e exigiu no final bis da obra-prima chamada "Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida" de Paulinho da Viola. Concebido com muito amor e carinho por Ricardo - extremamente miticuloso nos detalhes de cenários (as samambaias, ah! As samambaias; velho gramofone, poltronas do século passado), iluminação, enriquecido com a projeção de slides dos compositores mencionados, "MPB-100", teve a prejudicá-lo, o imperfeito sistema de som, montado improvisadamente que confirma mais uma vez, a imediata necessidade o auditório Bento Munhoz da Rocha Neto dispor de uma boa aparelhagem. Aliás, já providenciada pelo superintendente Maurício Távora. É preciso ensinar a emepebe para que os jovens a entendam e admirem. Ricardo Albin tem procurado dar sua contribuição nesta cruzada.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
16/08/1975

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