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Aramis

Agora o ódio atinge as bancas na Rua das Flores

Mais um capítulo da novela "1984" ou de como a política faz com que se (tente) apagar o que uma boa administração fez por uma cidade: a prefeitura quer agora modificar o designer das bancas de jornais e revistas do centro da cidade. Tudo bem! O burgomestre pode até ter este direito executivo, embora não deixe de ser autoritário e representar um custo de milhões de cruzados para os cada vez mais empobrecidos microcomerciantes desta área. O absurdo é que se tente fazer isto com um concurso para escolha de um novo projeto e avalizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil - Secção do Paraná. Com toda razão o arquiteto e professor Abrão Assad, 42 anos, autor do projeto de mobiliário urbano que foi implantado em Curitiba a partir de 1971, já denunciou esta agressão "não apenas a um projeto que executei, mas uma proposta da cidade". Revoltado ao saber que justamente o IAB-PR é quem estava dando o aval para que a URBS promovesse o concurso para a escolha do novo projeto, Abrão exigiu uma reunião oficial para que o assunto fosse discutido. xxx As explicações apresentadas pelos representantes do Poder não o convenceram. Afinal, em termos profissionais, como autor do projeto original, Abrão Assad está disposto, sem cobrar um centavo, a fazer alterações modificações ou reformas naquilo que projetou - já que continua em atividade profissional. "Injustificável é que se pretenda abandonar tudo o que existe e se faça um concurso público, em torno daquilo que já tem um autor bem definido e que, deve ser respeitado". Diz. - Hoje serão as bancas de jornais e revistas atingidas. Amanhã, outros pontos da cidade também serão modificados, com as mais esfarrapadas desculpas. O arquiteto Joel Ramalho, colega de Abrão, presente a reunião na qualidade de secretário dos Transportes - procurando justificar a iniciativa acabou admitindo que a intenção é mudar "tudo o que achamos necessário". Ramalho, um profissional competente - e que inclusive colaborou na administração Jaime Lerner, constrangido, admitiu o próprio Abrão Assad que a decisão não havia sido sua, "mas sim partido de escalões mais elevados". xxx Há 17 anos, quando a Prefeitura procurou substituir as antigas bancas de jornais, em madeira, sem um padrão estético, por unidades padronizadas, de belo designer, o então prefeito Jaime Lerner sofreu pesadas críticas. Alguns proprietários da bancas demoraram a entender a necessidade da modificação e um deles, Pedro Lauro, que possuía uma banca na Praça Santos Andrade, tanto protestou que, no vendaval peemedebista de 1974 conseguiu até ser eleito deputado federal, tornando-se folclórica sua passagem por Brasília. Posteriormente, assim como os comerciantes que, a princípio, eram contra a transformação da Rua das Flores em via para pedestres, entenderam a importância da inovação também os donos de bancas de jornais e revistas aceitaram a mudança e tiveram vantagens com isto. Agora é de se saber se esta categoria foi consultada para fazer novas mudanças - justamente numa época de tamanha crise econômica? xxx A mudança das cores dos ônibus Expresso e até do "Bondinho" da Rua das Flores, a demolição do belo portal de acesso ao Parque Iguaçu, a mudança de nomes das unidades da Fundação Cultural e o progressivo esvaziamento do Museu Guido Viaro são alguns dos aspectos que mostram a preocupação de setores municipais - especialmente da Fucucu - em eliminar tudo aquilo que lembre as duas administrações Jaime Lerner. O arquiteto Jaime Lerner, 50 anos, vem evitando fazer pronunciamentos a respeito - embora assediado pela imprensa. Vê, entretanto, com tristeza que agora não se trata apenas de atingi-lo politicamente, mas - como no caso da agressão cometida contra o projeto de Abrão Assad - chega-se até aos aspectos profissionais. Mais grave foi o fato de que o IAB-PR, talvez por ingenuidade de seus diretores, terem oficializado um concurso que conflitua com a obra justamente de um de seus mais competentes associados. A situação se tornou tão delicada para o presidente do IAB-PR, Ricardo Machado Pereira, que após a reunião exigida por Abrão Assad, a entidade pediu a URBS, promotora do infeliz concurso, maiores detalhes para reposicionar-se a respeito. Uma questão nova também surge: a Rua das Flores foi tombada pelo Patrimônio Histórico. Fachadas, calçadas, prédios e, naturalmente, o mobiliário urbano, ficaram, assim, preservados de alterações. Portanto, o concurso que se pretende impor agora, para mudança nos designers das bancas de jornais (e futuramente outras peças) possivelmente entra em choque até com o documento legal do tombamento. Cabe ao conselho do Patrimônio Histórico-Artístico sair de seu marasmo e tomar uma posição a respeito. xxx Por certo surgirão explicações, "desmentidos" (sic) e respostas da área oficial em relação a denúncia-protesto do arquiteto Abrão Assad. Assim como o advogado Carlos Frederico Marés de Souza, que exerce cumulativamente as funções de Secretário Municipal da Cultura e presidente da Fucucu, nos enviou uma longa carta para tentar justificar o esvaziamento do Museu Guido Viaro, a URBS deverá tentar explicar as "necessidades" das mudanças pretendidas. No caso da Fucucu, em seu longo arrazoado - que comentamos aqui mesmo e, posteriormente, completamos com a publicação da carta - blá-blá oficial não tocou no ponto principal: as provocações que vão se acumulando em relação ao Museu Guido Viaro, abandonado, maltratado e esvaziado nos últimos anos. A tal ponto que, em maio próximo, quando vence o contrato de comodato do acervo ali depositado, o seu proprietário, advogado Constantino Viaro, pensa em retirá-lo da guarda da Fucucu. Já possui, inclusive, ofertas de transferi-lo para outra unidade cultural, do âmbito do Estado. Pessoalmente, Viaro não desejava tomar tal atitude, mas com as hostilizações que o Museu - e, em conseqüência, a própria imagem de seu pai, o grande pintor Guido Viaro (1898-1971) vem sofrendo, não lhe resta outra atitude. Aquilo que parecia ficção na obra de H. G. Wells (1866-1946) transforma-se em triste realidade na Curitiba que pretende ser bela e justa. LEGENDA FOTO - Abrão Assad: também vítima do ódio municipal.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
03/04/1988

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