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Aramis

Amargo Despertar

Existe uma (triste) tendência em parte da crítica que se diz política em negar, passado algum tempo, os autores que marcaram a melhor fase de suas carreiras por uma obra atuante, sincera e honesta. Vittorio De Sica, italiano de Sora, 72 anos, está entre estes intelectuais que após uma contribuição das mais positivas ao cinema - ao qual vem se dedicando desde 1918, quando estreou como ator em "O Processo Clemenceau" (L'Affaire Clemenceau, de Edoardo Bencivega) - tem sido renegado nestes últimos anos, embora poucos - muito raros - se encorajem a negar o mérito de obras-primas como "Ladrões de Bicicletas" (Ladri di Biciclette, 48), "Milagre em Milão" (Miracolo a Milano, 51) e "Umberto D" (idem, 52). Foi preciso que há 3 anos, o impacto de "O Jardim dos Finzi-Contini" demonstrasse que o tempo só tem aprimorado a sensibilidade deste italiano meridional apaixonado, sensual, vigoroso tanto em seus trabalhos como ator como na maioria de seus filmes, apesar dos riscos de esquemas de superproduções como há 5 anos, em "Os Girassóis da Rússia" (I Girasoli). "Amargo Despertar" (cine Condor, até hoje, seguramente, talvez merecendo segunda semana) é uma demonstração de que o velho De Sica continua lúcido, político e sincero, excetuando-se a fotografia em cores do correto Ennio Guarniere, este "Una Breve Vaccanza", tem todo o clima, amarga ternura e tom documental dos melhores momentos do Neo-Realismo, em sua fase mais aguda e cortante (1946/53) de discussão de problemas sociais-[econômicos]. Ao contar a história de Clara (Florinda Bolkan, em seu melhor trabalho no cinema até agora), uma humilde operária que, trabalhando das 7 às 7 horas, levantando às 5 horas da manhã e mantendo uma família numerosa - o marido (Renato Salvatore), inválido temporariamente, o cunhado preguiçoso, a sogra arterioscresosada e 3 filhos - encontra uma breve temporada num sanatório nas nevadas montanhas , um reencontro espiritual e um breve instante de amor, De Sica realizou um filme de imensa dignidade humana, sofrido a cada imagem - sem nunca cair no dramalhão. Após uma [seqüência] terrivelmente documental do monótono e terrível início de dia de Clara - o despertar, a corrida para o trabalho, as longas horas na poluitiva fábrica, "Amargo Despertar" passa para o clima de solidariedade das mulheres vindas de diversas classes sociais, unidas pela doença comum no asséptico sanatório - que pela atenção dedicada às beneficiárias da Previdência Social, apresenta neste aspecto um dado bastante positivo com relação à medicina socializada na Itália. Ali, no sanatório, o encontro das diversas mulheres - em seus dramas (nem todos aprofundados pelo roteiro de Cesare Zavattine) individuais, chegam a lembrar o tema de um dos melhores romances de Dinah Silveira de Queiroz filmado em 1954 por Luciano Salce: "Floradas da Serra", um dos mais marcantes trabalhos de Cacilda Becker (1921-1969), ao lado de outros jovens (então) artistas como Jardel Filho, Ilka Soares, Liana Duval, John Herbert, Lola Brah, Jaime Barcelos, etc. "Amargo Despertar" é um filme sincero e honesto, prova de que as 71 anos - a produção é do ano passado - De Sica mantem-se fiel aos seus princípios de intelectual/cineasta voltado ao Homem e [à] sua dignidade - no caso fazendo um canto de amor a uma pobre operária - rica em sua dimensão de ser humano. Um filme de muita beleza, força e sinceridade, que merece ser visto!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal do Espetáculo
10
06/09/1974

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