Aqui, Jazz (II)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 28 de maio de 1978
Para muitos, o jazz é ainda identificado com longos solos de metais. Embora esse gênero, fascinante, da música contemporânea não se limite a determinados instrumentos, podendo se integrar a todas as faixas, não há duvida de que os metais, quando bem soprados, permitem um excelente rendimento. E mais do que nenhum outro instrumentista, foi Louis Armstrong (1900-1971), o músico que levou o jazz a mais amplas camadas, sempre sendo identificado com essa musica, junto as faixas mesmo menos (in) formadas. Sete anos após sua morte, seus discos continuam em catálogos, com reedições das mais estimulantes. Dois dos mais recentes a aparecerem no Brasil foram "O inesquecível Louis Armstrong" (Sigla-Som Livre, 409.7018) e "I Love Jazz" (Imagem, 5077). Na produção da Sigla, Toninho Paladino reuniu faixas das mais conhecidas - "Hello, Dolly", "Indiana", "Mack The Knife", "St. James Infirmary" e o indefectível "When The Saints Go Marchin In", de registros onde Louis, tocando pistão e fazendo vocal, era acompanhado por Joe Muranyl (clarinete); Tyree Glenn (trombone e vocal), Marty Napoleon (piano), Buddy Catlett (baixo) e Danny Barcelona (bateria). Igualmente, "I Love Jazz", reúne standars do grande "Satchmo", como "Muskrat Ramble", "Royal Garden Blues", "St. Louis Blues", "Chinatown" e "Jeepers Creepers". Não importa que essas faixas sejam conhecidas de dezenas de outras seções, pois o jazz é a arte de tocar, a cada vez, com um novo feeling (sentimento), um novo enfoque. E isso, Armstrong sabia fazer melhor do que ninguém.
Assim como o último lp do grupo alemão Passport ("Iguaçu", WEA) mostrava uma influencia da percussão brasileira, após a excursão que aquele grupo fez ao Brasil, há dois anos, no mais recente álbum duplo do trumpeotista Dizzy Gillespie ("Bahiana", Pablo/Phonogram, 2675/78), gravado em Los Angeles, nos dias 19 e 20 de novembro de 1975, também sente-se esse "latin touch". A presença do percussionista brasileiro Paulinho da Costa (que também já fez seu álbum solo, pela Pablo) é significativa para o registro de faixas como "Carnival" (Dizzy Gillespie), "Samba" (M. Longo) e "Pelé" (Al Gafa, guitarrista do grupo). São apenas oito longos temas, desenvolvidos calmamente ao longo dos dois elepes possibilitando que além de Gillespie, também Roger Glenn (flautas e vibrafone), Al Gafa, Mike Howell (guitarra), Earl May (baixo), Mickey Rocker (bateria) e Paulinho da Costa desenvolvam toda sua criatividade, ao longo de muitas intervenções, em faixas como "Barcelona" (Gafa), "In The Land of The Living Dead" (Gafa), "" Behind The Moonbean" (Gafa) e "The Truth" (M. Longo).
Falecido há mais de 10 anos, John Coltrane continua a ser inquietante e cerebralmente de vanguarda, mostrando que este extraordinário instrumentista fazia, já na década passada, uma musica que só hoje começa a ser melhor compreendida. "Coltrane "Live" At The Village Vanguard (Impulse/Phonodisc, 6-27-404-012), é um registro indispensável a quem deseja entender melhor as correntes mais avançadas de jazz. E a viúva de Coltrane, Alice, múltipla instrumentista - piano, órgão, harpa, percussão, que se diz movida por "impulsos parapsicológicos" ao fazer seus registros, de certa forma dá continuidade a linha de trabalho de Coltrane. Dois bons exemplos disto podem ser encontrados na praça: "Lord of Lords" (Impulse/ABC/Continental 6-27-404-017), gravado entre 5 a 12 de julho de 1972, no Village Record, Los Angeles, nos traz Alice Coltrane, mais Charlie Haden (baixo), Bem Riley (percussão), e uma imensa secção de cordas, para o desenvolvimento de cinco temas dos mais difíceis. No lado A, "Andromeda's Suffering" e "Sri Roma Ohnedaruth" da própria Alice, que a exemplo de tantos outros instrumentistas sofreu uma transformação pessoal/musical muito grande após ter viajado ao Oriente e mergulhado nas transas espiritualistas daquela parte do mundo. Com enxertos inspirados em "Pássaro de Fogo", de Stravinsky, Alice completa a lado A do disco. Na segunda face, a faixa-título, "Lord of Lords" e "Going Home", um spiritual tradicional, por ela adaptado num arranjo de quase onze minutos. "Radha-Krsna Nama Sankirtana" (WEA, 1977), gravado em 6 de agosto de 1976, já no Record Plant, em Sausalito, California, é um trabalho ainda mais marcado pela música orientalista, a partir dos próprios títulos dos das longas faixas: "Ganesha", "Prema Muditha", "Hare Krishna" e "Om Namah Sivaya", Instrumentistas indianos participam de todas as faixas e o resultado é um trabalho dos mais difíceis de serem assimilados pelo ouvinte desacostumado a um som propositadamente inquietante como este. Mas que, a quem se interessa pela musica de nossos dias, merece e deve ser conhecido.
Outro instrumentista que vinha desenvolvendo uma linha do jazz mais hermético, e também com inegáveis influencias orientalistas, era e o sax-tenor Rahsaan Roland Kirk, falecido há poucos meses. Quase que simultaneamente a sua prematura morte, a WEA aqui editou "Kirkatron", fundindo alguns de seus trabalhos mais recentes, inclusive os que apresentou no Festival de Jazz de Montreaux, Suiça, em 1976, como "Serenade To A Cuckoo", "This Masquerade", "Sugar" "Los Angeles Negro Chorus", "Steprin'Into Beauty", "Christmas Song", "Bagpipe Meddley", "Mary McLeod Bethune" e "Lyriconon". Todos os instrumentistas que dividem as faixas deste lp são ainda desconhecidos no Brasil, pois pertencem aquilo que poderíamos classificar de a última corrente do jazz americano. Destaque-se, todavia, os vocais que se ouve em "Brith Moments" e " Sugar", de Milton Grayson e Michel Hill, respectivamente.
Wayne Shorter, sax-tenor e para muitos um dos jazzmen mais importantes de nossa época, desenvolve um trabalho intenso, não só apenas com seu grupo, Weather Repórter, do qual chegou a fazer parte, por breve espaço, o catarinense Airto Moreira, mas também com outros instrumentistas, em um sem número de registros. A Copacabana, dentro do imenso catalogo da Blue Note, que agora vem representando no Brasil, lançou três discos, gravados já há algum tempo, mas que aparecem com o sabor de novidade para os ouvidos brasileiros. Exceto aos privilegiados que podem importar sempre as últimas novidades, pagando até Cr$ 400,00 a unidade, como Ney Ribeiro ou o londrinense José Flavio Garcia, para a maioria dos ouvintes de jazz, é esta a oportunidade de se conhecer melhor Wayne Shorter. Em "Schizophrenia" (Blue Note/Copacabana, 12162), por exemplo o temos com Curtis Fuller, no trombone, James Spualding, no sax alto e flauta, Herbie Hancock, no piano, Ron Carter no baixo e Joe Chambers, na bateria, para o desenvolvimento de 5 temas próprios: "Tom Thumb"(ou seja, o "Pequeno Polegar"), "Go", "Schizophrenia", "Miyako" e "Playground". A sexta-faixa é "Kryptonite" de James Spaulding. Já e "Speak No Evil" (Blue Note/Copacabana, 12160), temos o pianista Hancock e o baixista Carter, do disco anterior, somados a Freddie Hubbard, no pistão e Elvin Jones na bateria, para outra seleção de temas do múltiplo Shorter, que faz misérias no sax-tenor: "Witch Hung", "Fee-Fi-Fo-Fum", "Dance Dadaverous", "Speak No Evil", "Infant Eyes" e "Wild Flower". Finalmente, "nights Dreamer" mostra já ora formação instrumental: Lee Morgan no pistão; McKoy Tyner no piano; Reginald Workman, no baixo. Na bateria permanece Elvin Jones. E os seis temas são também de Shorter: "Night Dreamer", "Oriental Folk Song", "Virgo", "Black Nile", "Charcoal Blues" e "Armageddon". O pistonista Freddie Hubbard, apreciado em "Speak No Evil", tem também um lp-solo na praça: "Blue Spirits" (Blue Note, 12161, Copacabana), onde divide com instrumentistas relativamente desconhecidos James Spaulding (sax alto e flauta), Joe Handerson (sax tenor), Harold Mabern Jr. (piano), Larry Ridley (baixo), Clifford Jarvins (bateria) e Big Black na conga e Kiane Zawadani na "euphonium" (?), os solos de seus cinco temas: "Soul Surge", "Blue Spirits", "Outer Forces", "Cunga Black" e "Jodo".
Ainda na área dos metais, três outros instrumentistas que merecem ser ouvidos com toda atenção: "A Secret Place", nos traz o sax-soprano e tenor Grover Washington Júnior, dono de um som romântico e agradável. Tendo o compositor Dave Grusin ao piano, Anthony Jackson e George Mraz no baixo, Harvey Mason na bateria, Ralph McDonald na percussão, Eric Gale na guitarra, John Gatchell no pistão e Gerry Niewood, no sax-alto, Grover Washington realiza em "A Secret Place" (Kundu/Continental, 3-43-701-005), gravado em outubro de 1976, um dos mais agradáveis lps de metais aqui aparecidos. Apenas quatro faixas: "A Secret Place, "Dolphin Dance"(nesta, com a participação de Steve Khan, na guitarra e George Mraz no Baixo), "Not Yet" e "Love Makes It Better".
Les McCann, tecladista e cantor, tem sido, nestes últimos anos, um dos grandes destaques nos festivais de jazz da Europa. De sua participação no Montreaux Festival foram extraídos dois ótimos álbuns, já lançados no Brasil pela Phonogram. Agora, "Change Change Change"(Phonodisc/6-27-404-021), é o documento de uma apresentação ao vivo, no Roxy Theatre, amparado num grupo de outros notáveis, embora ainda pouco conhecidos, instrumentistas, como Jimmy Rowser (baixo), Kevin Johnson (bateria), Nick Kirgo e Steuart Lebig (guitarras), Charles Owens e Ernie Fields (saxofones), Lon Norman (trombone) e Nolah Smith (pistão). Todas as composições e arranjos foram de Les: "Change, Change, Change", "I Don't Want To Say Goodbye To A Brother", "North Carolina", "The Roler", "Rid Of Me", "I Never Thought That You Would Go" e "The Song Of Love".
Wayne Henderson, nome que só agora começa a ficar conhecido no Brasil, tem o seu primeiro lp-solo aqui lançado (Phono-disc/Continental, 6-26-404-101, abril/78). Este, um disco das fusões jazz-rock, incluindo até um "Reggae Disco", com vocais defendidos por um incrementado grupo de cantoras. Como nos álbuns de Lês e Grover, os instrumentistas de suporte são (ainda) pouco significativos para nós, mas, em alguns momentos, nota-se muita força. As sete músicas são do próprio Wayne: "Keep On Keepin On", "Reggae Disco", "Foot Stompin'Music", "Big Daddy's Place", "Lush Life", "Lady Bug" e "I'M Staying Florever".
LEGENDA FOTO 1 - O Inesquecível Louis Armstrong.
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