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Aramis

Nossos instrumentistas cada vez mais notáveis

Este ano não será fácil reconhecer os dez melhores discos instrumentais brasileiros. A qualidade de nossos instrumentistas - tanto os consagrados como os jovens - e o talento de cada um, seja como intérprete, seja acumulando também a condição de autor, faz com que os lançamentos instrumentais se sucedam com a maior qualidade. Vai longe a época em que se reclamava da falta de oportunidade para os músicos fazerem seus trabalhos solos e hoje, não só em pequenas etiquetas - como a Som da Gente (voltada basicamente ao instrumental), a Vison, Kuarup, Dall'Art ou outras, mas também as grandes companhias valorizam os instrumentistas. Seja um superstar multinstrumentalista, hoje consagrado internacionalmente como Egberto Gismonti, seja lançado novos solistas - como Raul Macarenhas (como faz a WEA, selo Musican), só é de se lamentar não haver espaço para dedicar a cada um destes discos comentários mais amplos. Mas a síntese é uma só: excelentes. CLARA SVERNER E PAULO MOURA INTERPRETAM PIXINGUINHA (CBS). Mais uma vez o mago Maurício Quadrio realiza um trabalho perfeito, afetuoso e definitivo. Convocou o melhor engenheiro de som do Brasil, Carlos de Andrade (Carlão) - dono da Visom, entregou os arranjos a Laércio de Freitas ("Soluço", "Carinhoso", "Um Zero", "Ainda Me Recordo"), Alberto Arantes ("Rosa"), Cristóvão Bastos ("Segura Ele", "Proezas do Solon" e "Chorei") e o próprio Paulo Moura, 56 anos a serem completados no dia 15 ("Oito Batutas", "Glória" e "Naquele Tempo") e o resultado não poderia ser outro: uma obra-prima. Os temas do mestre Pixinga são conhecidos, mas ganham vitalidade, cor, luz, nos teclados iluminados de Clara e no sopro de Moura que, juntos, anteriormente, já haviam feito três outros discos marcantes. Nada mais é preciso acrescentar: corra e compre quantos exemplares puder deste disco. Para si e presentear amigos. Mas só amigos de extremo bom gosto! FEIXE DE LUZ - (EMI/ODEON) Aos 44 anos, Egberto Gismonti é um nome consagrado. A partir de 1969, desenvolveu em 32 elepês (considerando só os editados no Brasil), mais como produtor (criando a própria etiqueta, Carmo), trilhas sonoras, músicas para ballet, etc., um trabalho sempre avançado. Sem perder as origens de fluminense quase mineiro, do Carmo tão bem amado, familiarmente sempre presente em temas e homenagens, Gismonti, como tecladista, flautista, violonista, arranjador (e até vocalista, quando necessário), consegue ser universal sem deixar de ser brasileiro. Como escreveu seu parceiro Geraldinho Carneiro, "em 20 anos de carreira, o caldeirão de Egberto aprendeu a misturar ingredientes de origem antagônica - vanguarda e tradição, formas fechadas e experimentalismo, erudição e elementos primitivos - e empreendeu a devoração musical do Brasil. À medida que se espalhou pelo mundo, a sua música tornou-se cada vez mais brasileira. "Sete Anéis" é mais uma prova desta grandeza musical de Egberto, desenvolvendo temas como sempre próprios (inclusive a bela música do filme "A Bela Balomeira", de Ruy Guerra, ainda inédito), com o grupo a que chama Academia de Danças - acrescentando a Robertinho Silva (bateria/percussão), Jaquinho Morelenbaum (cello, zabumba, percussão), Nivaldo Ornelas (sax,soprano), Zeca Assumpção (baixo) e Andre Geraissati (guitarra elétrica), o clarinete de Paulo Sérgio, o sax alto de Paulo Moura e o baixo de Luiz Alves. Os filhos, Branquinho (Alexandre) e Bianca, crescidinhos, comparecem com risos - tão harmoniosos quanto a música do pai. Que dizer mais? Corra e ouça Gismonti! MANÚ CARUE - UMA AVENTURA HOLÍSTICA (Polygram) Assim como o paulista César Camargo Mariano (cujo "Mitos", CBS, é o exemplo do uso múltiplo dos teclados), o mineiro Wagner Tiso, 43 anos, também é um incansável pesquisador de formas & potencialidades do piano. Desde seus tempos de "Clube da Esquina". Neste seu novo, a exemplo de Gismonti, também trabalha com seu parceiro (Geraldinho Carneiro, "Baile Antropófago"), mostra temas para filmes ("Memória do Aço", de Silvio Tendler, documentário inconcluso; o lírico "Ele, O Broto", de Walter Lima Jr.), vai dos recursos mais amplos do computador aos teclados simples - seja em temas próprios ("Fantasia Holística", "Alegria") ou a homenagem a Villa-Lobos, revista a sua maneira (assim como Gismonti havia feito em 1985), com "Mandu-Caçara", ("influência clara no seu tema "Manu-Caruê"), "Missa do Brasil" (do documentário "Descobrimento do Brasil") e citando ainda Bach ("Solteggio"). RAUL MASCARENHAS (Musician/WEA) Filho de dois respeitáveis nomes da MPB - o acordeonista Mário e a cantora Carminha Mascarenhas, Raul chega ao seu primeiro lp-solo com muitos anos de estrada. Flautista e saxofonista trabalhou com os maiores nomes da MPB (chegou a ser marido de Fafá de Belém) e, maduro, realizou um elepê enxuto, conciso, utilizando pequenas formações instrumentais, com excelente aproveitamento - e para isto contando a competência dos músicos que buscou (Rique Pantoja, teclados; Nico Assumpção, baixo, entre outros). Basicamente também estes instrumentistas dividem o repertório - com temas que sem negar a influência jazzística tem aquele som novo, afinado e brasileiro - mesmo quando o título é "Lilibye Blues", a única composição de Mascarenhas neste álbum. QUARTETO NEGRO (Kuarup) Mesmo com a presença destacada da voz sorridente da cantriz Zezé Motta em cinco faixas, pode-se classificar esta esmerada produção de Janine Houard como um disco instrumental. E dos melhores! O sax dourado e a clarineta transparente de Paulo Moura, as percussões de Djalma Corrêa, o baixo solista e o violão Jorge Degas - fazem deste o mais interessante álbum embalado dentro dos eventos alusivos ao centenário da abolição, e com um show especial no Olympiá, em Paris, teve lançamentos em LP/CD (aliás, todos os discos aqui registrados, merecem ser lançados em CD). Moderno, original, numa aproximação afro-jazz, o Quarteto Negro é um painel-síntese da música contemporânea do Brasil, reunindo três extraordinários instrumentistas e a excelente Zezé Motta, infelizmente nem sempre devidamente valorizada. São nove músicas inéditas e a recriação de "Zumbi, A Felicidade Guerreira" - num registro em que o ritmo do alujá de Xangô foi estilizado pelo quarteto, com Djalma quebrando o elemento religioso e reorganizando o aproveitamento de atabaques e agogô rituais. Um repertório rico, com várias influências - "Folozinha" (Marku Ribas/ Reinaldo Amaral), por exemplo, é uma canção que mescla as formas das congadas de Minas, enquanto "Meregue" (Adler São Luiz) tem o ritmo caribenho e "Festas da Xica" (Paulo Moura) é um painel de ritmos nordestinos e "Semba" (Degas/Zezé) é uma recriação quase pós-pop do semba (e não samba) angolano, que na Bahia virou o samba de recôncavo. Duas homenagens: "Geisa", um blues do falecido Roberto Guima e "Quelé Menina" (Djalma Luz) homenagem a Clementina de Jesus misturando o candomblé angola da Bahia com o primitivo samba-carioca e o jongo. Finalmente o sempre erudito e Internacional Djalma Corrêa em "Taisho-Koto" faz um paralelo entre a escala nordestina e as sonoridades orientais (o taisho-koto é um instrumento japonês harmônico percussivo), na faixa mais livre e criativa de todas. Enfim, um disco-aula, indispensável. LEGENDA FOTO 1 - Mascarenhas: estréia como solista. LEGENDA FOTO 2 - Clara e Moura: revivendo Pixinguinha.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
16
10/07/1988

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