"Oitentas", a reflexão lírica sobre a velhice
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de julho de 1988
Em 12 minutos, Nirton - jornalista que se divide entre as atividades profissionais em Brasília e Fortaleza, ali participando ativamente do movimento cinematográfico - faz um corte no cotidiano da vida numa cidade do interior do Ceará, na figura de três velhas irmãs. Condensa um projeto que pretendia desenvolver desde 1978 e que roteirizou há dois anos.
A cidade é Creteús (400 km de Fortaleza), onde, num sobrado, moravam três irmãs idosas: Maria Marques, 91; Letícia, 88 e Gicélia, 86. A primeira é viúva, com três filhos, 11 netos (um dos quais é Nirton) e nove bisnetos. As outras duas, solteiras.
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O roteiro estava pronto e a idéia amadurecida. Um documentário mostrando o cotidiano das irmãs teve que se transformar em uma ficção puxada da realidade cinco dias antes de começar as filmagens, quando Gicélia faleceu.
Assim, Nirton substituiu os depoimentos e buscou atrizes do teatro cearense para interpretar as anciãs: Jacy Fontenele (Maria Marques), Seny Bezerra (Letícia) e Antônia Norinha (Gilcélia).
Com 12 minutos de duração - "o tempo que o espectador agüenta um curta", "Oitocentas" foi rodado em 12 dias, com 4 horas de filmagens, Nirton procurou colocar "chegar a monótona solidão do mundo moderno". A câmara invade um velho casarão construído no começo do século e se fixa em três velhas que durante mais de 20 anos sustentaram-se com o trabalho de corte e costura, refletindo as ações do dia-a-dia das irmãs.
Mas é através desta objetividade que se alcança a subjetividade.
O cotidiano serve, então, de contraponto para o tempo.
Maria confeccionava vestidos femininos encomendados pela pequena sociedade local. É a mais emotiva das três e a que mais se envolve com o exterior, com o que se passa além da ponta da rua.
Letícia fazia camisas para homens. Gilcélia, talvez por ser a mais nova, trabalhava com tecidos pesados, fazendo calças para homens e acumulava também os encargos domésticos. Sua personalidade é dinâmica, ágil e também a mais decidida das três. Seu universo, entretanto, são as quatro paredes da casa.
Na década de 60 ainda recebiam visitas dos netos, que passavam as férias em Crateús. Nos anos 80, família espalhada, as visitas diminuíram. Na própria cidade, os parentes substituíram as conversas nas calçadas pela televisão.
Idosas, sem condições de trabalhar, passaram a ser sustentadas pelos filhos. A cada dia elas se aproximam de um final inevitável, "onde o pior não é a morte", observa o diretor Nirton Venâncio, "mas a solidão, o isolamento provocado pela vida moderna que hoje habita as cidades e derruba construções antigas, além de impor costumes".
LEGENDA FOTO - Nirton Venâncio e o fotógrafo Ronaldo Nunes nas filmagens de "Oitentas - um cotidiano perdido no tempo", curta cearense.
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