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Aramis

A arte do compor e do tocar

HÁ três semanas, o Projeto Pixinguinha trazia a Curitiba Leni Andrade e Emílio Santiago num espetáculo que classificamos de arte do cantar. Basicamente vocalistas, Leny e Emílio mostraram naquele belo recital as potencialidades da voz humana, unida a um repertório de qualidade. Esta semana, Joyce e Toninho Horta apresentam um espetáculo (Guairão), até amanhã, 18h30 min ingressos a Cr$ 15.00) que pode ser chamado de " a arte do compor e do tocar". Pois, mais do que vocalistas ou instrumentistas, a carioca Joyce (Silveira Palhano de Jesus) e o mineiro Toninho Horta são criadores da maior dimensão, duas entre as mais fortes personalidades musicais surgidas na música popular brasileira nos últimos 10 anos. É estimulante ouvir/ver um espetáculo como o de Joyce/Toninho Horta para (tentar) entender como são múltiplos e ricos os caminhos de nossa criatividade musical. Considerando-se uma compositora brasileira, de raízes, que compõe basicamente samba e baião, Joyce tem, entretanto, uma linguagem de sua época. Mulher de 30 anos, uma vida profissional de 14, 4 elepes já lançados, dois outros (inclusive um feito para Claus Ogermann, em Nova Iorque), ainda inéditos, extraordinária segurança no violão acústico, é uma das mais conscientes instrumentistas profissionais brasileiras. Pessoalmente faz questão de colocar a sua atividade de instrumentista e compositora antes de vocalista, embora tenha uma voz excelente e, por sua bela presença física, a Philips tenha tentado, há 10 anos passados, quando fez o seu primeiro lp, lhe impor uma falsa imagem. Independente e sabendo o que quer, Joyce recusou esse esquema, e mesmo enfrentando serias dificuldades, vem construindo uma carreira da maior dignidade. Sem abrir mão de suas idéias, identificada com uma geração de músicos jovens e de alta voltagem, algumas incursões no Exterior (com Vinícius e Toquinho no Uruguai, Argentina e Itália; um disco inédito em Paris: dois outros na Itália; uma longa temporada e um disco nos EUA), Joyce parte agora para um esquema bem mais amplo de atuação, iniciado com duas temporadas em teatros do Rio e que se ampliam agora com esta temporada nacional. Como compositora, Joyce tem momentos antológicos: "Revendo Amigos", composto há poucas semanas, está naquela categoria da obra-prima. Partindo de uma idéia contemporânea, mas nem sempre consciente - a multidão solitária, os desencontros da vida, criou uma letra e linha melódica das mais perfeitas, pela temática sugerindo outra obra-prima, "Sinal Fechado" de Paulinho da Viola. "Banan", com uma letra brasileiríssima, composta na Itália, há 3 anos, parece ter uma letra feita de um feliz casamento de Aldir Blanc e Guimarães Rosa: "Me Disseram", que fez há 11 anos e gravou em seu primeiro lp, é um samba-canção extraordinário, atualissimo, "Nosotros", parceria com Danilo Caymmi é um bolero de letra dilacerante, com música da própria Joyce, enquanto "Passarinho" foi musicado a partir de um poema do gaúcho Mário Quintana, tema que abre e encerra o espetáculo, onde canta ainda "Boa Pergunta", "Mistérios", "Pega Leve" e "Feminina". Toninho Horta, autor daquela que é, em nosso entender, a mais bela música dos últimos 5 anos . _ "Beijo Partido", é um guitarrista e violonista de extrema potencialidades, inicialmente integrando o grupo Som Imaginário, hoje numa próspera carreira sólida. Basicamente um instrumentista e compositor, tem músicas das mais fortes como "Litoral" e "Viver de Amor" (parcerias com Ronaldo Bastos), "Durango Kid", "Céu de Brasília", "Aqui ó", "Manoel, o Audaz"(com Fernando Brant) e com Cacaso, um novo parceiro ("Pedra da Lua"). Mas afora "Beijo Partido", sem dúvida um momento iluminado na carreira de qualquer compositor, um dos melhores instantes do show que os curitibanos assistem agora é quando Toninho faz o tema instrumental "Estudo Brasileiro", mostrando de que é capaz ao violão. O encontro de Joyce e Toninho Horta no palco é importante por trazer ao encontro de uma ampla faixa de público, especialmente o jovem, o trabalho de dois artistas ainda não consumidos pelo sucesso. O diretor Maurício Tapajós não temeu fazer um roteiro constituído basicamente de músicas inéditas e embora o público, geralmente, não responda entusiasticamente, aquilo que (ainda) não conhece, o resultado funcionou. Juntos no palco o tempo todo, numa demonstração de real integração/amizade/participação, Joyce e Toninho mostram que a musica nova, muitas vezes aparentemente difícil, vence as resistências e chega ao público sensível. E para isso, há também a sólida integração a uma das melhores bandas de apoio que poderia ser reunida: Mauro Senise, no sax e flauta (há pouco mais de um mês, ele aqui esteve com a Academia de Danças, de Egberto Gismonti), tem momentos dignos do melhor jazzista, em intervenções solos (principalmente em "Beijo Partido") : a percussão, de Gegê, e a bateria do baiano Tuti Moreno, o baixo de Ricardo do Canto e o piano do sensível Helvius Vilela são perfeitos - e qualquer um deles poderia fazer longos números solos, já que competência há e sobra. Inicialmente previsto para ser dividido entre Joyce e Francis Hime - que, numa atitude discutível e polêmica, acabou desistindo de participar, esta sexta temporada do Projeto Pixinguinha nada perdeu com a ausência do pianista. Ao contrário, Maurício Tapajós soube dar as músicas uma distribuição perfeita, criar o timing exato e reunindo, no palco, dois grandes amigos e compositores, mais instrumentistas de valor, oferecer ao público das seis e meia, um dos melhores espetáculos do ano, revelador de toda a força de compositores férteis, infelizmente ainda quase desconhecidos em termos fotográficos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
18/05/1978

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