A arte do cantar (I)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de abril de 1978
Uma das preocupações de Herminio Bello de Carvalho, no planejamento do Projeto Pixinguinha, agora, em 3 roteiros, atingindo todo o País, é de oferecer ao público uma amostragem panorâmica da musica popular brasileira representatividade dos melhores interpretes de cada área. E se, nesta Fase-2, o projeto abriu com Paulinho da Viola e Canhoto da Paraíba, fundindo o samba carioca ao choro, prosseguiu com Nara Leão e Dominguinhos, mais o grupo Os Carioquinhas, atinge nesta semana, com Leny Andrade e Emílio Santiago (auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, até amanhã, 18h30m, ingressos à Cr$ 15,00), aquilo que se poderia de definir como a arte de cantar os autores contemporâneos.
O diretor Arthur Laranjeiras, que trocou uma carreira de jornalista para mergulhar na criação de espetáculos musicais, procurou oferecer ao longo dos 90 minutos do encontro de duas das mais belas vozes brasileiras, uma espiral cromática-melódica, que envolve e emociona o espectador. Leny Andrade, vocalista de formação jazzistica, que com o scat ( o canto sem letra) marcou profundamente o inicio dos anos 60, reaparece após uma ausência de alguns anos, em que sérios problemas pessoais a roubaram do convívio musical. E retorna na melhor forma, acrescentando a músicas de Maurício Einhorn/Durval Ferreira ("Estamos Ai", Clichê"), com as quais, praticamente se tornou conhecida na melhor fase da Bossa Nova, uma interpretação vigorosa, sentida e profunda, de recentes composições de autores da voltagem de Maurício Tapajós, Novelli, Paulo César Pinheiro, Chico Buarque de Holanda, Francis Hime, Fernando Brandt, Johnny Alf, Baden Powel, Luiz Gonzaga Jr., Antônio Carlos Jobim, Vinícius de Moraes, Gilberto Gil, entre outros, num repertório dos mais equilibrados - e onde a sustentação é dividida com Emílio Santiago, sem duvida alguma, a mais bela voz masculina surgida no Brasil nos últimos 5 anos.
É um espetáculo de canto. E onde as letras de Edu Lobo, Paulo César Pinheiro, Toninho Horta, Gonzaguinha, Chico Buarque etc., em musicas como "Tomara", "Beijo Partido", "Trocando em Miúdos", "Viola Violar", "Maravilha" (apropriadamente utilizada no encerramento), funcionam perfeitamente, como uma prova da criação poética e musical desta década, ao lado de clássicos dos anos 60, como "Ilusão à Toa" (Johnny Alf), "Preciso Aprender A Só Ser" (Gilberto Gil), "Se Todos Fossem Iguais A Você" (Tom/Vinícius, este na verdade criado em 1956, mas consagrado na década de 60) ou "Consolação" (Baden/Vinícius). Bons instrumentistas, como Jacaré (baixo), Toninho Costa (guitarra), Marquinhos (piano), Eduardo Gonçalves ( percussão) e Tião (bateria) sustenta harmonicamente o espetáculo - mas que tem, nas vozes de Leny e Emílio, momentos quase antológicos. Injustificável, lamentável e merecedor de criticas a ausência de Maurício Einhorn, compositor e o melhor executante de harmônica de boca do Brasil. Maurício, com sua sensibilidade e talento, faria crescer ainda mais este momento de canto, letra, poesia e emoção. E, a sua presença ao lado de Leny Andrade, teria inclusive um significado histórico: afinal foi ele, junto com Durval Ferreira, mais Regina Nenneck (ex-Quarteto em Cy), que lhe deu a musica que é a sua identificação e marca maior: "Estamos Ai".
Leny está ai, no palco do Guaíra. Mas falta Maurício Einhorn.
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