Joyce internacional e Leny com novas canções
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de agosto de 1990
Joyce cada vez mais internacional. Uma viagem musical pelo tempo, proposta por Anna Maria Kieffer. Leny Andrade, nossa grande cantora jazzística com um repertório diversificado e renovado. Um revival em homenagem a Clara Nunes - uma das maiores sambistas que o Brasil já teve. O canto gaúcho de Maria Luiza Benitez.
Eis um pacote provando que o canto continua das mulheres - neste nosso Brasil em que tantas jovens sonham por um espaço no disputado mercado e que, em veredas diferentes, buscam seus objetivos.
Joyce colhe hoje, merecidamente, os resultados de uma carreira que se aproxima das três décadas. Esta carioca inteligente, poliglota, que chegou a ser repórter do JB em sua adolescência, vem construindo uma carreira das mais sólidas - como compositora e intérprete. Feminista sem deixar de ser feminina, fez duas belíssimas homenagens a pessoas que muito influenciaram seu início de carreira nos tempos da Bossa Nova - os álbuns dedicados a Vinícius de Moraes (cujos shows chegou a dividir num certo período) e Antônio Carlos Jobim, que tiveram lançamento internacional via Japão - país em que já fez várias temporadas. Agora, chega "Music Inside", seu primeiro disco pela Polygram americana. Lançado em março deste ano nos EUA, este 16º elepê de sua carreira foi aclamado pela crítica e recebeu quatro estrelas e meia de Leonard Feather na revista "The Jazz Link". Agora, está sendo lançado na Europa e no Brasil.
As canções de Joyce tem tido muitos intérpretes - Elis, Bethania, Ney Matogrosso e outras e embora seu primeiro elepê date de 1965, só 15 anos depois, com "Clareana", concorrendo no MPB Shell passou a ter um reconhecimento maior. Ao lado de seu marido, o percussionista Tutti Moreno, com andanças internacionais, mãe de 2 filhas (de seu primeiro casamento com Nelson Angelo), Joyce divide seu tempo entre a música e a participação em movimentos pela valorização dos artistas - consciente que é. Já tendo até uma parceria com Gerry Mulligan, Joyce, boa em inglês, faz questão de verter as suas músicas para "Music Inside" - a partir de "Mistérios", sua parceria com Maurício Maestro. Quatro músicas inéditas estão neste belo elepê: "Belafonte", homenagem ao músico e ator Harry Belafonte (63 anos, famoso nos anos 50/60, hoje imerecidamente esquecido no Brasil, embora nos EUA e Europa continua a ser cultuado), uma de suas grandes paixões na adolescência e que encontrou em Cuba em 1987. "Waiting for You" é uma parceria com o guitarrista Toninho Horta, que havia gravado, no elepê "Diamond Land" (um dos dois discos que fez para lançamento no Exterior) sua versão instrumental. E ainda há "Bird of Brazil" e "Bird of Japan", ambas de Joyce, a segunda dedicada ao percussionista Tomohiro Yamiro, com quem tocou em 1985, no Japão.
"Music Inside" tem ainda reinterpretações para o clássico dos Beatles, "Help" e "Talking' about a Revolution", de Tract Chapman, que adaptou para o português, segundo ela, falando sobre "a nossa revolução", desde os seringueiros da Amazônia aos metalúrgicos de Volta Redonda.
Acompanhada por ótimos músicos - baterista Marvin Smith (ex-Sting e Bandford Marsalis), gaitista William Galison (que toca na trilha do filme "Bagdá Café", por sinal recém lançada pela mesma Polygram), nesta produção que Joyce dividiu com o americano Brian Bacchus, tem um texto, em inglês, na contracapa, na qual fala, com realismo, sobre o Brasil, suas dificuldades e perspectivas.
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Leny Andrade, 47 anos, como Joyce, só recentemente encontrou um espaço internacional que há muito merecia. Apesar de 38 anos de carreira (aos 9 esta carioca já se apresentava no Clube do Guri, na Rádio Tupi do Rio de Janeiro), Leny sempre foi uma cantora injustamente esquecida, apesar de ser uma das mais competentes profissionais - além de extraordinária figura humana. Excelente vocalista, de formação jazzística, trouxe como marca registrada em sua carreira o scat (canto sem letra), e especialmente a partir de 1961 criou grandes sucessos - o maior dos quais é o seu "prefixo" "Estamos Aí" (Maurício Einhorn / Durval Ferreira). Afastando-se por 5 anos do Brasil (quando residiu no México), ao voltar Leny encontrou o espaço para intérpretes de sua categoria reduzido e, para sobreviver, tornou-se cantora da noite - sendo, por anos, contratada do Chico's Bar, ali fazendo noitadas incríveis, acompanhada pelo grande pianista Luisinho Eça (que, após grave doença, está se recuperando e nesta semana em Cascavel, participa como professor do II Festival de Música). Os discos de Leny - em várias fases - são hoje collector's itens de quem sabe admirar seu virtuosismo e, há dois anos, fez uma extraordinária revisitação aos sambas do grande Cartola.
Agora, pela Eldorado, temos uma excelente produção ("Eu Quero Ver"), na qual apoiada por Antônio Duncan e o pianista-arranjador João Carlos Coutinho, Leny traz composições inéditas, renovando o seu repertório. Começa com dois brasileiríssimos cantos, com alfinetadas ao momento atual - "Eu Quero Ver" (Carlinhos Vergueiro, em parceria com J. Petrolino / Landanho) e "Pedro Brasil" (Djavan). Duas revelações marcantes: o romântico "Como Você Demorou" de Erineu E. Maranesi (quem será este novo compositor?) e "Amigo não Tem Defeito" (Eimar Avillez), minimalista onde a amizade, digna de ser comparada a "Canção da América" (Milton / Brandt) e "Amigo É Pra essas Coisas" (Silvio Silva Jr. / Aldir Blanc) pelo seu significado: "Deixa andar meu amigo / Que a coisa melhora / Quem faz vai pagar / Todos tem sua hora / Certo, também sou do seu jeito / Concordo com você / Amigo não tem defeito".
De Mário Adnet, um ecológico "Angra", com citação de "Barquinho", na linha bossa-novista - reverenciada também numa nova releitura do clássico "Chega de Saudade" (Tom / Vinícius). De Fátima Guedes, "Absinto" e "Eu te Odeio", e de Milton Nascimento / Márcio Borges, "Viola Violar". Claro que o lado crooner, romântico de Leny, bolerista extremada, não falta com os clássicos "La Mentira" (Álvaro Carrilho) e "Tu, Mi Delírio" (César Portillo La Luz).
LEGENDA FOTO - Joyce internacional: depois do Japão, um disco gravado nos EUA e que agora sai no Brasil (Foto Ricardo Malta).
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