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Aventuras portenhas de Xavier, o pesquisador

Antes de tudo um escritor que sabe ver o humor nas mais diferentes situações, Valêncio Xavier retornou terça-feira de Buenos Aires com material para uma deliciosa série de crônicas, em seu estilo, que o faz um dos mais festejados escritores do Paraná. Os aborrecimentos que teve nos dias que passou na Argentina serão transformados em textos dos quais Valêncio nem precisará acrescentar nada de ficção: os fatos, por si, já constituem uma comédia deliciosa. Valêncio viajou a capital argentina para entrevistar o último dos filhos do romancista Aluízio Azevedo, sobre quem está fazendo um trabalho originalíssimo, abordando a vivência que o autor de "O Cortiço" teve no Japão. Ao chegar ao terminal rodoviário, após fazer o percurso entre o aeroporto de Eziza com o centro de Buenos Aires, a primeira e desagradável surpresa: um larápio surrupiou uma de suas malas, justamente onde estava a passagem de retorno, passaporte e outros documentos, além de uma preciosa máquina fotográfica que o acompanha desde 1957, quando a adquiriu na França - num longo período em que ali viveu. xxx A segunda parte da novela - que ele como bom autor de textos para televisão vai contar em diálogos apimentados - se passou na delegacia de polícia, na qual Valêncio gastou mais de 20 horas para conseguir uma simples declaração de que havia sido roubado, para poder conseguir uma segunda via da passagem aérea de retorno (na Varig, também teve dificuldades para ser atendido). O "jefe" policial que o atendeu, insistiu em afirmar que não acreditava no roubo. Por que? Indagou Valêncio. - "Porque na Argentina não tem mais argentinos ladrões. Matamos todos!" Ante a insistência de Xavier, o policial portenho foi simplista: - "Só ficaram os ladrões chilenos". xxx Na hora de embarcar, segunda-feira, nova aventura: os militares rebeldes tomaram o Aeropark e a confusão se estabeleceu. Atrasos de muitas horas, soldados armados até os dentes e mil confusões. Como estava sem passaporte, um policial insistiu em cobrar uma pesada multa, por ver em Valêncio um "clandestino". Mesmo contrariado, Xavier pagou em dólares. O policial não teve dúvida: em sua frente, embolsou o dinheiro e se recusou a dar qualquer recibo. Razão para que Xavier possa comentar com razão: - "Fui roubado na chegada e na saída de Buenos Aires". xxx Excluindo estes aborrecimentos (e mais o mal humor e falta de educação dos funcionários do modesto hotel em que se hospedou), a viagem valeu: Valêncio passou cinco tardes na residência de Pastor Azevedo Luquez, 93 anos, o único dos filhos do romancista Aluízio (Tancredo Gonçalves de) Azevedo (São Luís, Maranhão, 1857 - Buenos Aires, 1913), que ainda vive. Surdo como uma porta, irascível, desconfiando de todos que o procuram, o velho Pastor, afinal, foi vencido pela simpatia de Valêncio Xavier, que conseguiu fazer anotações de vários textos inéditos que guarda como fiel cão-de-guarda da memória de seu pai. Entre eles, cinco cadernos com o texto de um livro em que Aluízio fala dos anos em que morou no Japão, onde inclusive casou com uma gueixa. Há também um romance inédito deixado pelo autor de "O Mulato", mas este o seu filho, Pastor, não conseguiu localizar em sua desorganizada biblioteca. A obra de Aluízio Azevedo foi tema de tese de mestrado do professor Jean Yves Mérian, na Universidade de Reinne, resultando em dois imensos volumes. Jean Yves reside hoje em Buenos Aires, ali dirigindo a Aliança Francesa, mas não foi encontrado já que está em férias na França. Do interesse de Valêncio, por certo, nascerá uma colaboração entre os dois intelectuais - e estudando seus textos inéditos, inclusive traduzindo alguns documentos em japonês poderá trazer revelações importantes sobre a obra de um dos mais importantes escritores brasileiros. Há um neto de Aluízio morando no interior do município de Cascavel que Valêncio vai tentar localizar ainda neste verão.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
22/01/1988

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