Borges: discussão e prólogos
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 22 de junho de 1986
A morte de Jorge Luis Borges, há uma semana - 13 de junho - em Genebra fez com que, mais uma vez, todos os espaços se abrissem para registrar não só a sua morte mas falar da importância de sua obra. 53 dias antes, o maior escritor da Argentina - e para muitos também da língua espanhola - havia sido notícia, quando de seu casamento com sua secretária, Maria Kodama, oficializando assim uma convivência de 12 anos e elegendo-a por testamento, sua herdeira única e universal.
Leo Gilson Bibeiro escreveu no "Jornal da Tarde" que "inextricavelmente associável da sua criação literária, a vida de Jorge Luis Borges é talvez a mais empapada, saturada de literatura das últimas vidas que surgiram dentre a literatura contemporânea. Praticamente não há uma única situação da vida cotidiana, prosaica, que para ele não evoque as mais recônditas associações literárias, citações, declamação de versos ou trechos inteiros de ensaístas, novelistas das mais insuspeitadas procedências e latitudes".
A OBRA - Com a morte de Borges, muitos que nunca antes se interessavam em conhecer sua obra vão procurar seus livros. Uma obra difícil, interior e profunda, que só nos últimos anos passou a ser editada em português - mas que há muito tempo é curtida em suas edições originais em espanhol. Na Livraria do Chaim ou na Curitiba - as melhores e mais competentes da cidade - é possível encontrar algumas das obras de Borges. Suas conferências, por exemplo, encontram-se em dois livros editados no Brasil: "Cinco versões Pessoais" e "Sete Noites" (edição da Max Limonad). Um exemplo de seus contos está no livro "Ficções" e ainda em sua "História da Eternidade", "História Universal da Infamia" ou ainda em seu "Livro de Areia". Quem se dispor a ler em espanhol, poderá encontrar sua obra completa, em dois volumes, numa edição da Aliança Editorial - distribuída no Brasil pela Letra Viva (Rua Conselheiro Ramalho, 322, Bixiga).
DISCUSSÃO - Entretanto, os dois livros de Borges que tiveram edições mais recentes no Brasil são "Discussão" (Difel, 143 páginas, 1985) e "Prólogos - Com um Prólogo dos Prólogos" (208 páginas, Cz$ 32,00, Rocco).
Em "Discussão", Jorge Luis Borges participa-nos dos temas mais relevantes de sua problemática particular, já familiares ao vasto número de conhecedores do pensamento borgiano: infinito, realidade, magia, inferno, cabala... Composto de considerações várias este livro sereno e comovente, publicado pela primeira vez em 1932, oferece uma verdadeira oportunidade de assistirmos ao lento e fecundo processo criador de um dos escritores mais importantes da nossa atualidade.
Mesmo um rápido olhar sobre as páginas de "Discussão" já promete o intenso prazer de leitura que nos aguarda. É notável ver como, retomando antigas reflexões, Borges atinge os confins da lógica na "Perpétua Corrida entre Aquiles e a Tartaruga".
Como lembrou a própria editora Difel, "a leitura desta discussão escrita certamente deixará no espírito do leitor a convicção de haver participado na solução de cada um dos problemas que Borges vai propondo. O leitor arguto, por sua vez, adianta-se a perspicácia de algumas das asseverações finais. A discussão de Borges com os temas de Borges. O entrelaçamento é perfeito. As conclusões às quais se chega, por mais paradoxais que aparentem ser, somente fazem justificar o livro que as suscita.
OS PRÓLOGOS - Outra obra interessantíssima de Jorge Luis Borges - nascido em Buenos Aires, em 24 de agosto de 1899 - é "Prólogos - Com um Prólogo dos Prólogos", em tradução de Ivan Junqueira. Escritos entre 1923/1970, os pequenos ensaios que compõe este livro são prólogos de obras que não existem. Pródigos em citações a argumentos absurdamente bem formulados que, segundo Borges, "se prestam menos à escrita laboriosa do que aos ócios da imaginação", esses prólogos são uma boa amostra da intimidade do escritor com as mais diversas fontes clássicas e modernas.
O próprio Borges dizia:
- "O prólogo, quando os astros são propícios, não é uma forma subalterna de brinde; é uma espécie lateral da crítica. Não sei que juízo favorável merecerão os meus, que abarcam tantas opiniões e tantos anos. Na triste maioria dos casos, dizia Borges, o prólogo "confina com a oratória de sobremesa e com os panegíricos fúnebres".
Mas nem sempre foi assim com essa maltratada forma literária.
- "O de muitas obras que o tempo não quis esquecer é parte inseparável do texto".
A propósito destes pequenos ensaios, que dão uma amostra da intimidade de Borges com as mais diversas fontes, clássicas e modernas, John Updike, em famoso ensaio publicado no "New Yorker", sugere a imagem do escritor argentino como bibliotecário.
Umberto Eco realizou esta metáfora através do personagem Jorge, um guardião de biblioteca, no romance "O Nome da Rosa". E de fato, a vastíssima cultura literária de Jorge Luis Borges e a profunda intimidade com os livros desde sua infância estiveram a serviço da biblioteca pública de Buenos Aires, para onde foi nomeado em 1938 como assistente de direção - e cuja direção geral ocuparia por muitos anos.
Cervantes, Bioy Casares, Kafka, Lewis Carrol, Shakespeare, Paul Valery, Walt Whitman, entre muitos outros criadores e um sem-número de mitos passeiam pelas páginas deste "Prólogos", entre sonhos e espelhos, ambuigüidades e paradoxos. Uma literatura repleta de metonímias e argutos jogos de inteligência, que se constrói sobre a própria literatura. Sem fronteiras entre o real e o imaginário, como tudo em Borges. Seu texto é um universo de babélicas lembranças literárias em que se conjugam, genialmente, detalhista erudição e matreiríssima imaginação.
LEGENDA FOTO 1 - Borges, morto há uma semana, em dois livros importantes: "Discussão" e "Prólogos".
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