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Aramis

Brilhantes autênticos

"Fechado dentro de um táxi, numa transversal do tempo, acho que o amor é a ausência de engarrafamento" (Aldir Blanc/João Bosco) Um espetáculo musical como "Transversal do Tempo" (Teatro Guaíra, hoje, 21 horas, última sessão, ingressos a Cr$ 120,00), traz um importante posicionamento artístico: é tão bem realizado e completo em todos os seus aspectos que contribui para fazer com que o público passe a exigir cada vez mais dos próximos xhows musicais que for assistir. Poucas vezes, no Brasil, um espetáculo musical recebeu tratamento tão cuidadoso e inteligente quanto esta nova produção da cantora Elis Regina, seguramente há mais de 6 anos ocupando uma imbatível posição entre as intérpretes mais sérias, consicentes e criativas de nosso panorama musical. Já em 1974, quando pela última vez passou por Curitiba, fazendo um show no Paiol, Elis e seu marido, o pianista Cesa Camargo Mariano, líder do grupo que a acompanhava, apresentavam um espetáculo rigorosamente cronometrado, com músicas bem encadeadas e proporcionando ao público algo mais do que o simples entretenimento musical. "Falso Brilhante", que estreou a 17 de dezembro de 1975 em São Paulo e permaneceu mais de um ano em cartaz, assistido por mais de 300 mil pessoas, foi um passo a frente em conceito de espetáculos: com coragem e criatividade., Elis fez uma colocação séria sobre a marginalização do artista, desmistificando a idéia do star system tupiniquim. "Transversal do Tempo" - cuja idéia nasceu numa tarde quente, quando Elis, grávida de 7 meses, teve que permanecer horas dentro de um táxi, num engarrafamento de trânsito em São Paulo - resultou num espetáculo ainda mais avançado do que "Falso Brilhante", que, em sua longa temporada entre São Paulo/Rio, colecionou as mais elogiosas críticas. Sem os problemas de produção e realização que cercaram aquela realização anterior (inclusive, desentendimentos com a [diretora] Miriam Muniz), Elis teve nos compositores Aldir Blanc e Mauricio Tapajós os suportes exatos para ajudar a colocar, de forma musical, uma série de inquietações, dúvidas e mesmo denúncias. Artista de seu tempo, Elis Regina (Carvalho da Costa), 33 anos, gaúcha de Porto Alegre, 14 anos de carreira profissional, tem atravessado várias fases da música brasileira. Hoje uma mulher consciente e de posições claras e definidas, assumiu não só uma liderança política em relação a classe dos músicos e intérpretes (é presidente da recém fundada entidade ASSIM), como musicalmente, a partir de 1971 (lp "Eeela", Philips) vem marcando, cada vez mais, pela qualidade e sinceridade de suas interpretações, lançando e promovendo compositores importantes (João Bosco/Aldir Blanc, Belchior, Renato Teixeira, etc) que, sem dúvida, lhe devem muitíssimo do prestígio nacional que hoje desfrutam. "Transversal do Tempo", como show, não poderia ser melhor estruturado. Definindo-se como uma artista brasileira, testemunha de sua época, Elis não vê motivos para sorrir e brincar no palco. Intérprete brava (como ela o é, quando necessário contra provocações e intrigas) valoriza cada uma das 24 músicas incluidas no roteiro, todas perfeitamente encadeadas e funcionando de uma forma dramática. E, justamente contrapondo-se ao que Elis consegue extrair, ao máximo, de cada uma das letras que interpreta, houve todo um trabalho de conografia e ambientação, na mais perfeita programação visual (Melo Menezes) que se imaginou, até hoje, para um espetáculo musical. A estrutura de uma asfixiante cidade sugerida pelos cenários, os trajes que Elis e seus músicos, vestem, as placas de sinalização utilizadas e todo o processo criativo da iluminação, são elementos tão fortes quanto a parte musical. Isso faz com que "Travessia do Tempo" não se esgote, absolutamente, no simples campo sonoro: é um espetáculo que se impõe (e ficará, como ponto referencial) como um grito de alerta (e denúncia) sobre os desencontros da vida, a pressão das grandes cidades, o aniquilamento do ser humano, o colonialismo cultural e político, a falta de perspectivas de tantos, o achatamento intelectual e tantas outras angústias nossas de cada dia. Tudo isto poderia torná-lo duro, desagradável, cansativo. Mas, a agilidade, sonoridade e comunicabilidade de Elis no palco, a firmeza do repertório, a segurança dos músicos que a acompanham - tudo costurado com segurança no roteiro-dierção de Blanc e Tapajós, fazem com que os 135 minutos do show fluam tranquilamente mesmo para o mais irascível espectador. Cantora de extraordinários recursos vocais, que no início de sua carreira mostrava jazzísticos scats (cantos sem letra), Elis Regina volta-se a simplicidade em todas as canções incluídas em "Transversal do Tempo". Consciente da necessidade, mais do Brasil/o Brasil nunca foi ao Brasyl/Do Brasil SOS ao Brasil"), optou, lucidamente, pelo canto claro, preciso, dizendo as palavras certas e exatas, para ser entendida por todo o público que, há 10 meses a vem aplaudindo neste espetáculo - já levado a várias capitais, inclusive um longo roteiro pelo Nordeste e que, a partir de 15 de outubro, inicia temporada em São Paulo. Como o espetáculo de Ivan Lins ("Nos Dias de Hoje", apresentado no Teatro-Ginásio do Sesi, em agosto), "Transversal do Tempo" faz com que o espectador deixe uma passiva (e anestesiada) função de mero consumidor e, ao menos mentalmente, se integre ao pensamento e ação daquilo que a cantora, por mais de uma hora, atuando com garra e firmeza no palco - passa, dando de si um esforço exaustivo, mas estimulante. Da abertura, com Elis toda de branco, interpretando a antida valsa "Fascinação" (Marchetti/Feraldy, versão de Armando Louzada) ao encerramento, com "Cartomante" (Ivan Lins/Victor Martins) há um panorama musical do Brasil, com o samba exaltação ("Aquarela Brasileira", Silas de Oliveira) seguido das canções de nosso tempo, de nossa época que funcionam como retratos sinceros do quotidiano, com cheiro do povo, emoção e razão: "Sinal Fechado" (Paulinho da Viola), "Morro Velho" (Milton Nascimento), "Deus Lhe Pague" e "Construção" (Chico Buarque), "Rancho da Goiabada" (Bosco/Blanc), "Saudosa Maloca" (Adoniram Barbosa), "Cão Sem Dono" (Sueli Costa/Paulo Cesar Pinheiro), entre outros momentos intensos. Sem procurar adjetivos, pode-se dizer que "Transversal do Tempo" é um espetáculo ecológico em sua colocação do homem frente à pressão urbana - e por referências musicais como "Amor à Natureza" (Paulinho da Viola e "Beto" (Jobim/Jararaca). Mas é, sobretudo, um espetáculo brasileiro, com a força de uma intérprete generosamente perfeita, amaparada nos teclados de César Camargo Mariano, na guitarra de Natan Marques (também violão e viola) e Crispim Del Cistia, na bateria de Dudu Portes e no baixo elétrico de Fernando Cisão. xxx Por uma feliz coincidência, neste mesmo fim de semana, o público que foi aplaudir Elis Regina, pode também conhecer outroo belo espetáculo: "Bóias de Luz" (Paiol, hoje, 21 horas, última apresentação). Marília Medalha, cantora de rara sensibilidade, que após idas & vindas, amores & desamores, está reaparecendo com imensa força. Fez Projeto Pixinguinha, voltou a gravar (lp pela Continental, julho/78) e agora, amparada num seguro trio, está no palco, mostrando ao lado de seus sucessos dos anos 60 também uma nova coleção de canções. Cantora e atriz, revelaçãoo em 65 em "Arena Conta Zumbi" (Boal/Guarnieri), Marília faz o espectador mais sensível chegar às lágrimas no momento em que intercala uma canção sobre Tiradentes e a liberdade, com um retrospecto de sua vida, em momentos difíceis pelos quais passou. Há exatamente 7 anos - 27/12/71 - Marília, ao lado de Vinícius de Moraes, Toquinho e o Trio Mocotó inaugurava o Teatro do Paiol. Agora, volta ao mesmo palco com um espetáculo de emoção, amor & sentimento.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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03/09/1978

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