Cantores/Compositores (II)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de novembro de 1977
Se um esquema comercial funciona, o negócio é explorado ao máximo. Essa filosofia capitalista se aplica, é claro, na indústria fonográfica, antes de tudo um comércio como qualquer outro. Se choro vende, vamos gravar choro! Se sambão jóia funciona, vamos dar sambão jóia ao público! E sambão vem saindo, com diferentes intérpretes, dos melhores aos piores, de gente original e criativa a pobres imitadores. Se um grande nome deixa uma gravadora, os técnicos de marketing buscam, imediatamente, um substituto - de preferência com a voz e estilo bem parecido - capaz de confundir o público.
Jorginho (Antonio Carlos) do Império, filho do grande Mano Décio da Viola, surgiu há 3 anos, lembrando bastante a Martinho da Vila, com quem aliás trabalhou - imitando-o não apenas na maneira de cantar, nos temas musicais, mas até fisicamente (cavanhaque, geito de malandro bem humorado, etc.). Resultado: em pouco tempo, Jorginho estava vendendo milhares de cópias de seus elepês, enquanto Martinho continua fiel na RCA Victor, onde é um dos grandes campeões de venda. Jorginho cresceu tanto dentro da Phonogram que a CBS, buscando melhorar o seu elenco nacional, o contratou e por ali sai o seu novo ("Medalhas e Brasões", CBS 138005, setembro/77) LP.
O que faz a (Phillips(? Imediatamente investe num novo crioulo chamado Chico da Silva, que imita ainda mais a Martinho da Vila. As 12 faixas de seu LP de estréia ("Samba: quem sabe, diz...", Polydor, 241106, setembro/77), 10 das quais por ele assinadas (com parceiros, é claro) podem ser, (tranqüilamente(, confundidas com o que Martinho fazia há alguns anos. Só isso já dá uma dimensão do comercialismo e das intenções, sendo lamentável que, por ingenuidade e ambição, um jovem artista se preste a um esquema tão despersonalizado. Em compensação, Jorginho do Império, produzido por Carlos Lemos, amparado em bons instrumentistas, mostra uma considerável evolução: ao lado de composições próprias ("O Que Você Tem, Garota?", "Comeu, Comeu", "Ai, Mamãe", "Malandro Demais"), incluiu neste seu novo disco, sambas da maior dignidade, de mestres como Geraldo Pereira ("Que Samba Bom", parceria Arnaldo Passos); Herivelto Martins - Heitor dos Prazeres ("Lá em Mangueira") e de seu pai, Mano Décio, parceria do grande Silas de Oliveira, o samba-de-enredo, feito há muitos anos, e que dá título ao LP: "Medalhas e Brasões". Injustificável, porém, é a inclusão de um ufanista samba que Vicente Celestino (1894-1968) compôs, em parceria com Mário Rossi, em pleno Estado Novo, chamado "Terra Virgem". Por mais aspectos documentais que possam ser achados nesta canção, ela não tem nada a ver com Jorginho e o samba de agora. Há, em compensação, sambas de gente moça, que vem tentando aparecer, como a simpática Gracia do Salgueiro ("Conselhos da Tia Maria"), Aluísio do Império - Jaburu ("Comida Baiana") e dos já conhecidos Paulinho Rezende - Totonho ("Que Ingratidão"), entre outras.
Martinho da Vila, enquanto Jorginho do Império e Chico da Silva disputam (também) o seu público, prepara, (tranqüilo(, seu novo elepê e o grupo Os Originais do Samba, que durante muito tempo foi conhecido apenas como seu acompanhante, continua a fazer discos bem fáceis de vender junto aos consumidores do sambão. Mussum e seus cinco companheiros são crioulos simpáticos, comunicativos, que procuram apenas dar recados leves, bem-humorados, sem maiores pretensões. "Os Bons Sambistas Vão Voltar" (RCA Victor, 103.0215, setembro/77), é isso: um disco descompromissado, produzido por Wilson Miranda e que serve ao marketing que Os Originais do Samba atingem. Entre as músicas gravadas nesse LP um destaque: o delicioso "Eu Agradeço" (Vinicius de Moraes-Edu Lobo), lançado no musical "Deus Lhe Pague" (Canecão, outubro/76-janeiro/77), que se fosse bem trabalhado poderia ter estourado no Carnaval. Como o supermusical de Aloysio de Oliveira fracassou o LP com as músicas (Odeon, 1976), também ficou esquecido e só agora esse samba lindo e comunicativo, que se ajusta ao estilo dos Originais do Samba, começa a aparecer. O disco tem ainda velhos sambas de domínio público, como "Nêgo Véio Quando Morre" (num arranjo do maestro Pachequinho), além de uma canção de Silvio Caldas/Cristóvão de Alencar: "Arrependimento").
Samba tem muito a ver com a Bahia. E mais dois elepês provam isso. O primeiro é o que traz, (afinal(, o compositor Edil Pacheco, nome dos mais conhecidos na Boa Terra, num elepê bem produzido por Roberto Livi, onde com voz e violão, mostra por que tantos cantores o têm procurado, nos últimos oito anos, para lançar suas músicas. Boêmio, ex-representante da (Phillips( na Bahia, ex-dono de loja de discos, Edil pertence à geração de compositores baianos que preferiu não sair de Salvador. Evidentemente, tantos amigos e companheiros que venceram no Sul maravilha insistem sempre com ele, lançaram muitas de suas músicas, mas até agora Edil só vinha ao Sul esporadicamente. Fez algumas participações em elepês diversos, mas o seu trabalho, e sua voz, só agora aparecem. E de forma firme, segura, com letras belíssimas, harmoniza centro de melhor tradição. Ederaldo Gentil, baiano, parceiro e amigo de Edil, que dele lançou vários sambas (como "Alô, Madrugada") que aconteceram nacionalmente. Edil tem outros parceiros, como Paulinho Diniz (com quem fez "Mais um Dia", "Abra a Gaiola", "Coração Vadio", "Lua Menina", "Ouro em Pó", "Nau dos Aflitos", "De Passo em Passo", incluídos neste LP); Nelson Rufino, para muitos a maior revelação samba baiano, nos últimos dois anos, também ter parceria com Edil: "Pranto Natural", Carlos Lacerda, pianista lendário de Salvador, é outro de seus parceiros ("Tristeza") e uma última faixa que se manteve fiel à Bahia - "Tributo a Batatinha", tem parceria de Carlos Napoli. Enfim, cada uma das músicas de Edil mereceria uma análise especial e assim, na impossibilidade de estender o registro, aqui fica apenas a dica: "Pedras Afiadas", seu LP lançado há poucas semanas, está entre os melhores do ano, em termos de mostrar, nacionalmente, o trabalho de um baiano simples, talentoso e que ainda não foi prejudicado pela máquina do marketing & sucesso.
A dupla Tom & Dito, que deixou Salvador há quase dez anos, vem tendo uma carreira difícil. É inegável a aproximação que faz sempre com Antonio Carlos & Jocafi. Além do mais, Tom & Dito têm como empresário o simpático (depois que se conhece melhor) Athayde Guimarães, durante anos o "personal manager" de Antonio Carlos & Jocafi. Hoje, desligando-se um pouco naquela dupla - mas cuidando ainda da carreira de Maria Creusa - Athayde está preocupado em fazer Tom & Dito estourar. E, homem que conhece o mercado, tem conseguido alguns bons resultados. Por exemplo: após LPs na Tapecar e Sigla, que passaram totalmente despercebidos, Tom & Dito fizeram um relativo sucesso, no ano passado, com o LP de estréia na Continental ("Reverterio"). Agora, em seu segundo LP naquela fábrica (Continental, 1-01-701-171, outubro/77), com lançamento nacional em Curitiba, durante a semana em que a dupla fez temporada no Paiol, a produção de Ramalho Neto e Jorge Corrêa foi das mais esmeradas. Nomes como Luiz Eça e Cidinho (teclados), Chico Batera e Paschoal na bateria, Márcio Montarroys, Manoel Araujo, Zé Bodega e Danilo Caymmi nos metais, ajudam a qualquer gravação. E as músicas de Tom & Dito são simples, algumas românticas, outras validamente pretensiosas ("Giram Girassóis", gravada anteriormente, mas agra em novo arranjo), fazendo agradável a audição deste LP. Como conhecemos bem a capacidade de Athayde, temos certeza de que Tom & Dito têm futuro em termos profissionais. Faixas gravadas: "Pra Que Chorar", "Silêncio Tem Gente S'Amando", "Giram Girassóis", "A Pomba e o Gavião", "O Poeta, a Moça e o Destino", "Luz do Sol", "Ciume Exagerado", "Arquitetura", "Música no Ar", "Viva o Momento", "Ao Sol do Teu Corpo" e "Até o Sol Raiar".
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