Cidadão Welles, Mister gênio do cinema eterno
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de fevereiro de 1986
Em 1972, nos primeiros meses de funcionamento do Teatro do Paiol, inagurado a 27 de dezembro de 1971, com o show de Vinicius de Moraes-Toquinho, Marília Medalha-Trio Mocotó - a primeira promoção cinematográfica que ali teve lugar foi a exibição de "Cidadão Kane".
Praticamente inédito para uma ou duas gerações na época, a exibição de uma antiga cópia em 16mm do clássico de Orson Welles, que o então programador de cinema de arte José Augusto Iwersen (hoje editor da revista "Première" em São Paulo) conseguiu junto a Polifilmes, se constituiu num evento cinematográfico. Centenas de pessoas compareceram ao Paiol, desejosos de conhecerem (alguns, mais velhos, reverem) o filme que permanece na relação dos críticos de todo o mundo, ouvidos pela revista inglesa "Sight and Sound" como "o melhor da história do cinema". Ao invés de uma única sessão, programada, "Citizen Kane" acabou tendo uma semana de sessões lotadas por um público fascinado.
Nestes últimos 14 anos, pelo menos uma dezena de vezes a obra-prima de Welles voltou a ter exibições regulares. Hoje a Cinemateca do Museu Guido Viaro possui uma cópia em 16mm e há também em vídeo-cassete. Entretanto, nada substitui o prazer de rever as imagens maravilhosas de Greg Tolland (1904-1948) numa tela ampla, em cópia nova, 35mm, como a que a Fama Filmes finalmente traz agora, para mais um relançamento, desta vez no Cinema Um (15 e 20h30min; sábados e domingos, 14, 16,30 e 20,30 horas). Cinema é ainda a sensação de tela ampla, sala confortável e aquele mundo exclusivo, escuro, com mágicas figuras animadas na tela. E ninguém foi mais mágico no cinema do que Orson Welles.
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Possivelmente nenhum outro filme da história do cinema carrega uma força tão grande quanto "Cidadão Kane", rodado entre o verão e o outono de 1940 nos estúdios da RKO, em Hollywood. Desde os mais apaixonados ensaios críticos até exaustivas e demolidoras tentativas de desmistificação da genialidade de Welles, como a que foi tentada pela ácida e feroz crítica Pauline Kael, em volumosas obras de 50 mil palavras para atribuir os méritos do roteiro exclusivamente a Hebert J. Mankiewicz (1897-1953), irmão do cineasta Joseph L. Mankiewicz (Pensilvânia, 1909) numa polêmica que se estendeu por anos e que fez com que dezenas de estudiosos da obra de Welles entrassem na discussão se os méritos maiores de "Cidadão Kane", como roteiro, foram somente de Welles - ou pertenceram mesmo a Herbert Mankiewicz, conforme defendia a crítica do "The New York Times".
"Cidadão Kane" teve sua primeira projeção em 14 de fevereiro de 1941 mas para o público só chegou, em Nova Iorue, a 1º de maio de 1941. A jornalista Louellea Parsons, cronista de mexericos hollywoodianos, uma das primeiras a assisti-lo, terminada a sessão especial para a imprensa telefonou ao seu patrão, o magnata da imprensa, William Randolph Hearst, e denunciou a caricatura que Welles teria feito sobre sua personalidade. Suficiente paa deslanchar uma guerra sem tréguas da poderosa cadeia de jornais de Hearst contra Welles e a RKO, boicotando toda a produção e ameaçando as cadeias de exibição que ousassem exibir "Cidadão Kane". O resultado é que houve prejuízos de US$ 160 mil - soma considerável para a época - que somente foram recuperados nas décadas seguintes, com a consagração crítica do filme.
Por que "Cidadão Kane" é considerado o melhor filme da história do cinema? Afinal, realizado há 46 anos, poderia estar hoje superado por tantas outras criações notáveis. E por que Welles sofreu toda sua vida a síndrome de ter estreado, aos 26 anos, com uma obra-prima insuperável? São questões que justificam sempre novas apreciações - e que por isto mesmo fazem com que apareçam novos títulos sobre Welles e sua obra (ainda no ano passado, foram lançados mais três livros), um cineasta que modificou o cinema e sua linguagem.
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