"Patty Hearst", o seqüestro discutido com inteligência
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de julho de 1990
No início, as imagens de Bozan Bazelli são de uma beleza estética quase diluitivas da tragédia que a história (real) deve contar: Jogada num quarto escuro, a jovem Patty Hearst (Natasha Richardson) vê apenas os perfis de seus carcereiros e, machucada, humilhada, assustada, ouve ameaças terríveis. Em contrapartida, imagens surrealistas afloram: ela, venda nos olhos, com seus ricos familiares, tentando cumprir a exigência de oferecer comida a todos os pobres, o que significa mais de US$ 400 milhões.
Pouco a pouco, entretanto, as imagens perdem o rigor estético-visual. São substituídas pela fotografia de um ambiente sórdido - uma casa bagunçada, ocupada por homens e mulheres, pretos e brancos, descuidados, frustrados e que falam (e fazem) muito em sexo. Política & Sexo. Ódio e violência. Ainda assustada, Patty tenta entender aquele mundo em que foi jogada, a partir de fevereiro de 1974, quando, saindo de uma das famílias mais ricas da Califórnia, aluna da Berkeley University, viveu uma experiência capaz de traumatizar o mais forte dos homens.
Começa, então, a parte mais difícil para se entender o jogo do poder e domínio do seqüestrado e seqüestradores. Até que ponto a neta do magnata da imprensa americana, William Randolph Hearst (1863-1951), que em 1939 inspirou o "Cidadão Kane" de Orson Welles (1915-1985), sofreu a mais cruel das lavagens cerebrais para de seqüestrada do Exército Simbionês da Libertação à guerrilheira urbana, participar de assaltos a bancos, assassinatos, etc. - ou, simplesmente, viu nesta opção (?) uma "fuga" ao seu universo burguês (que, na primeira seqüência, nos jardins da Berkeley, ela mesma questiona).
A coincidência de chegar ao circuito (e as locadoras, em vídeo) nesta época em que a escalada de seqüestros atinge níveis alarmantes, este filme baseado nos fatos ocorridos entre fevereiro de 1974 a setembro de 1975, nos Estados Unidos, envolvendo uma jovem de 19 anos, inteligente, milionária - e a sua surpreendente "adesão" ao grupo terrorista que a raptou, não poderia ser mais oportuno.
Paul Schraeder, 44 anos, que antes de chegar à direção ("Vivendo na Corda Bamba", 1978) fez carreira como excelente roteirista, é um cineasta sofisticado, buscando um rigor visual como mostrou em "A Marca da Pantera" (1982) e "Mishima: Uma Vida em 4 Tempos" (1985). Em "O Seqüestro de Patty Hearst", vai além: discute até onde é possível a trajetória íntima da própria Patty Hearst (co-autora do livro "Every Secret Thing", em que baseou o roteiro), que após seus 18 meses na prisão - só sendo libertada por indulto presidencial. Se "Romero" é um filme que propõe uma reflexão política, em torno da violência militar, "Patty Hearst" não fica distante: é também uma visão da violência interna, do choque a cada um - e, especialmente, até (a)onde vai a resistência humana. Um filme que (também) merece ser visto.
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