A comédia estilo Dona Flor e o "Kangaroo" australiano
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de outubro de 1988
Três estréias e alguns programas no circuito alternativo. Há também a continuidade de filmes interessantes e o merecido retorno do excelente "Feliz Ano Velho", de Roberto Gervitz (agora no Luz), sem dúvida um dos melhores filmes do ano.
Infelizmente, o esvaziamento das salas de exibição continua grande. Assim, filmes dos mais interessantes - como "A Voz do Silêncio", ficou apenas sete dias no Cinema I, quando, por sua bela mensagem de paz e amor, excelentes interpretações, mereceria no mínimo dobrar a semana. Outro filme que poderia se tornar um cult movie especialmente considerando o público fanatizado por "Blade Runner", é o thriller "Perigo na Noite" (Someone to Watch over Me), de Riddley Scott - já substituído no Astor pela comédia "Está Sobrando uma Mulher". Com uma das mais belas trilhas sonoras do ano - a partir da canção título (original), um standard do repertório de George Gershwin (e com quatro diferentes interpretações, inclusive na voz de Sting), "Someone to Watch over Me", reunindo Tom Berenger e a sensual Mimi Rogers, é o exemplo do filme que não se esgota em uma semana. Aleixo Zonari poderia ter insistido em sua programação - mesmo que passando para o Cinema I. Infelizmente...
"Está Sobrando uma Mulher" parece ser mais uma variante de "Dona Flor e seus Dois Maridos", que depois do sucesso na visão brasileira de Bruno Barreto e de ter inspirado um musical na Broadway (que fracassou), teve uma visão americana ("Meu Adorável Fantasma / Kiss me Goodbye", 1982, de Robert Mullingan). Desta vez a história é de uma esposa que volta para complicar a vida do viuvo que deixou: Lucy Chadman (Shelley Long) é ressuscitada com os poderes místicos da irmã aloprada, Zelda (Judy Ivey) e descobre que seu marido, Jason (Corbin Bernstein) já está casado com sua melhor amiga, Kim (Sela Ward). Frank Perry, 55 anos, que desde sua estréia no longa-metragem ("David and Lisa", 1962, filmes sobre drogas, nunca lançado no Brasil), tem realizado filmes inquietos e interessados ("O Enigma de uma Vida", "O Último Verão", "Massacre de Pistoleiro", "Amigos e Aventureiros") justifica um crédito de confiança para este "Hello Again!"- embora a comédia não seja o seu forte. O roteiro é de Susan Isaac e a trilha sonora de William Goldstein. Em exibição no Astor.
"Kangaroo" é a apresentação de um novo diretor australiano, Tim Burnstall. Começou fazendo documentário, foi assistente de Martin Ritt em "Hombre" (1966) e estreou na direção há quase 20 anos com "2.000 Weeks", que tinha elementos autobiográficos mas fracassou. Apesar de vários longas - incluindo "Eliza Frazer" (1976, com Susannah York e Trevor Howard), só agora chega ao Brasil. "Kangaroo" é baseado num romance de D. H. Lawrence (1885-1930), o polêmico autor de "O Amante de Lady Chaterlly" (1928), e que já teve vários de seus textos levados ao cinema com inteligência ("Filhos e Amantes", por Jack Clayton; "Mulheres Apaixonadas", por Ken Russel; "A Raposa", por Mark Rydell - com o título de "Apenas uma Mulher"). A história se passa na Austrália, no início do século e parece ter elementos biográficos do próprio Lawrence. No elenco não há nomes conhecidos no Brasil, embora a atriz Judy Davis, por "Uma Janela para o Amor" (A Room with a View, 1987), tenha obtido uma indicação ao Oscar de melhor coadjuvante. A verificar. Em exibição no Cinema I.
"Até que a Vida nos Separe" (A New Life) é estréia promissora (Lido I). Alan Alda, ator-diretor-roteirista, é daqueles talentos até agora pouco reconhecidos ("A Vida Íntima de um Político", "As 4 Estações do Amor"). Agora, realizou um filme terno, rodado em Toronto, sobre a crise de um casal após 23 anos de união. Com ele no papel central - ao lado de Ann-Margret (cada vez mais expressiva), traz no elenco Beatrice Alda (mulher de Alan), John Shea e Alan Jordan. A fotografia é de Kelvin Pike e na trilha sonora de Joseph Turin foram utilizados temas de Bach ("Concerto para Harpa", "Concerto para 3 Violinos" e até a "Sonata nº 5 para Flauta e Teclado", vocalizada por Sally Stevens). Uma estréia recomendável, de visão obrigatória.
Outras Opções - O retorno de "Feliz Ano Velho", que Roberto Gervitz realizou com base no best-seller de Marcelo Paiva (1979, edições pela Brasiliense) é (mais) uma oportunidade de quem ainda não assistiu conhecer um dos melhores filmes do ano. Criativo, emocionante e com um excelente roteiro - além da mais bela fotografia do ano - um filme de categoria internacional e que merece atenção. Em reprise no Luz.
Para quem se delicia com filmes de ação, há uma reprise oportuna: "Máquina Mortífera" (Lethal Weapon), 1987, de Richard Donner. Com o australiano Mel Gibson, mais Danny Glover, Gary Busey e apresentando a atriz Tracy Wolfe, um policial no esquema que virou modo nos últimos dois anos: a dupla Riggs e Murtaugh, policiais de Los Angeles, veteranos do Vietnã, odeiam trabalhar juntos - mas, que têm de enfrentar sádicos assassinos. Muita ação neste filme que já fez sucesso em seu lançamento e agora é reprisado no Bristol. Casa na qual, na semana passada, um simpático policial, "Um Tira de Aluguel", mesmo com a presença de Burt Reynolds, Dionne Warwick (em curta aparição) e Liza Minelli, fracassou.
O sucesso de "Inferno Vermelho" (Red Heat), no São João, fez até que o bravo Jorge de Souza, do Cine Morgenau, interrompesse o filão de orgasmo que marca a programação pornográfica para ali reprisar "O Predador", de McTierman - com o mesmo Arnold Schwarzenegger. Em programa duplo com um filme made inconsciente Hong Kong, "O Lorde Dragão".
O terno "Olhos Negros", de Nikita Michalkov, com Mastroiani, Elena Sofonova, Silvana Mangano e Marthe Keller; belíssima fotografia, marcante trilha sonora e ambientes turísticos (inclusive exteriores) continua em exibição no Groff.
"Quero Ser Grande" (Big), de Penny Marshall, comédia com um tema que pode motivar reflexões psicológicas - a perda da infância - continua no Cine Plaza. Com Tom Hanks, Elizabeth Perkins e Robert Loggia. No Ritz, encerrando a mostra "Cinema Japonês: Grandes Momentos", temos ao menos um filme bem recomendado - "Era uma vez em Tóquio" (Tokyo Monogatari), 1953, de Yasujiro Ozu (1903-1963). Será exibido amanhã às 16 e 20 horas e domingo, em apenas uma sessão - já que haverá também a reprise do longa "Sublime Dedicação" (155 minutos, legendas em inglês) - este um programa só para os fanáticos pelo cinema japonês.
Na programação japonesa ainda estão "Vida de Cigana" (Zigeunerweisen), 1980, de Seijun Suzuki (hoje, sexta-feira, 15 e 20 horas; 145 minutos, legendas em inglês) e, como último programa, no domingo, às 22 horas, "De Onde se Avistam as Chaminés" (Entotsu no Mieru Rasho), 1953, de Heinosuke Gosho (1902-1981).
LEGENDA FOTO - Um drama familiar, que promete bastante: "Até que a Vida nos Separe", de Alan Alda - estréia no Lido I.
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