Dodô e Osmar, baianos que eletrificaram o Carnaval
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 29 de março de 1987
No Carnaval de 1972, só curitibanos tiveram uma surpresa: um caminhão imenso, eletrificado, despejando decibéis da música mais carnavalesca pelas ruas da cidade - não só na Avenida Marechal Deodoro mas também nos bairros mais distantes. Era o Trio Elétrico Tapajós, um dos muitos trios elétricos que saíram da Bahia e amparados em sólidas bases estruturais percorrem hoje o País, fazendo trabalho de merchandising, anunciando produtos, integrando-se a campanhas políticas e até mesmo voltando as suas raízes carnavalescas.
Embora uma das unidades do Trio Elétrico Tapajós continue no Sul, o Tapajós não voltou mais a Curitiba. Em compensação, o exemplo estimulou a que se fizessem trios elétricos locais - não carnavalescos, mas em termos de "veículos de som", que, aliás, tem dado altos lucros aos eus construtores. Na última campanha, o vereador Neivo Beraldim, candidato (derrotado) ao Legislativo, usou e abusou do caminhão-trio elétrico que há anos existe na cidade e que cobra alta taxa para se deslocar com sua parafernália sonora.
ONDE TUDO COMEÇOU
Imagine um músico que invente o próprio instrumento, depois invente a orquestra, inventa o palco e, finalmente, inova o ritmo da música que executa.
Se não foi assim, é bastante parecida a história da origem do Trio Elétrico Dodô e Osmar. Tudo começou quando em 1984, o eletrotécnico e músico Antônio Adolfo do Nascimento, o "Dodô", e Osmar Macedo, também músico, inventaram o "pau elétrico", uma ripa de madeira com seis cordas de aço, acoplada a um sistema de amplificação, ambos construídos numa oficina de fundo de quintal, no bairro de Itapagipe, em Salvador. Depois eles se juntaram a um percussionista e, ao ano seguinte, subiram num calhambeque para sair às ruas e arrastar multidões, durante o Carnaval, ao som do frevo elétrico um ramo puladinho que substituiu por instrumentos eletrônicos os metais do frevo pernambucano.
Estava inventado o Trio Elétrico, o primeiro conjunto que deu origem à guitarra baiana, que diferencia-se da guitarra tradicional por ter cinco cordas em vez de seis, e que tem hoje em Armandinho (ex- A Cor do Som), filho de Osmar, seu principal virtuose.
Já com nova formação - Armando, André, Aroldo e Betinho, todos filhos de Osmar, e contando sempre com a participação do pai (Dodô faleceu em 1979), eles tomaram a força criativa e inovadora que originou o trio elétrico como leitmotiv do conjunto.
Mas dá para imaginar uma multidão enlouquecida, atrás do trio elétrico, só som do Moto Perpétuo, de Paganini, ou da Marcha Turca, de Mozart, ou, ainda, de "Eleanor Rigby" (Lennon/McCartney), em pleno Carnaval?
Isso eles já faziam nos anos 70 e, em 1983, repetiram a dose em Roma e em Toulosse (1985/1986) em excursão que eletrizaram os europeus e alcançaram um sucesso merecedor das primeiras páginas dos grandes jornais. No México, durante a Copa do Mundo, no ano passado, foi a mesma coisa.
Desde o primeiro disco, em 1974, o Trio Elétrico Dodô e Osmar foi incorporando ao conjunto novos instrumentos de percussão e, com composição próprias ou de Moraes Moreira (aliás, seu primeiro cantor), Gilberto Gil, Caetano Veloso e muitos outros, assumiram todos os ritmos brasileiros, trieletrizaram a música nordestina, captaram energia e a juventude do rock e se transformaram num conjunto que tanto pode estar presente nas festas populares, como Carnaval e São João, quanto no aparelho de som de quem simplesmente curte a MPB.
Na Bahia (e por que não em Curitiba?) você liga o rádio e eles também estão lá, com uma original multiplicidade de ritmos: frevo, forró, afoxé, merengue, deboche (que agora virou ritmo). Tem até inspiração de reggae, funk e rock, tudo sem perder a brasilidade.
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