Duelo à portuguesa
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de novembro de 1975
"O Duelo" (auditório Salvador de Ferrante, até domingo, 21 horas) foi saudado, generosa e entusiasticamente, pela crítica paulista como um espetáculo vigoroso e revelador, em termos de montagem profissional, de um autor português, Bernardo Santareno, que o diretor Roberto Vignati, por certo levado por um entusiasmo exagerado, classifica "do maior autor vivo de teatro português". Embora português, o clima de "O Duelo" é do dramatismo espanhol de Garcia Lorca, com honra lavada a sangue, viuvez chorada aos gritos e um clima de dramaticidade da primeira a última cena. O próprio Santareno, na informação do astuto produtor Chico Bergamo, que o trouxe a São Paulo, quando da estréia da peça, não esconde sua admiração (e influência) por Garcia Lorca (1899-1936), de forma que, em clima dramático, a identificação é inegável.
Prejudicado em sua estréia, pela infeliz idéia do produtor em levá-la no imenso auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, com a transferência do espetáculo para o acolhedor ambiente do pequeno auditório do Guaíra, o espetáculo ganhou bastante: os atores e atrizes não tem mais que gritar tanto e o espectador pode ver as expressões dramáticas - o que no grande auditório só seria possível com a utilização de poderosos binóculos de hipódromo.
"O Duelo" é - (ou ao menos pretende ser) uma peça vigorosa. Um drama de amor (es) proibido(s), violência e humilhações, onde o fator social conta muito. A exploração de servos pelos senhores da terra, do erotismo ibérico, da vingança e da honra - tudo costurado num texto em que, realmente, se destacam bonitos diálogos, principalmente aqueles colocados na boca de Rosária (Ruthinéa de Moraes), a grande personagem da peça, mas com uma intensidade dramática digna das mais cruéis tragédias gregas. Aliás, o clima do espetáculo, muitas vezes, chega isso tal a desespero que Rosária dá ao seu drama - e que transfere ao filho Ângelo (Claudio Marzo), indeciso entre o amor-pureza da moça de sua classe, Maria Clara (Eugênia de Domênico) ou a sensualidade de Manuela (Maria Isabel de Lisandra) filha do senhor das terras, que, 22 anos passados, violentou a sua mãe e provocou o suicídio de seu pai, atirando-se nos chifres de um touro assassino. O cenário criado por Gianni Ratto é funcional e obtém grande valorização em certos momentos, graças a boa iluminação. Já a trilha sonora de Amilson Godoy - irmão dos conhecidos Hamilton (pianista do Zimbo Trio) e Adylson (o criticado presidente da SICAM), além de interferir, muitas vezes, nos diálogos - tornando-os praticamente incompreensíveis (ao menos na noite de estréia, no grande auditório), tem um clima brasileiro - por exemplo, chegando ao melhor chorinho, na abertura do 2º ato.
Para alegria dos curitibanos que sempre estimaram a iratiense Denise Stocklos, sua participação, embora relâmpago (fica menos de 10 minutos no palco) é marcante: como a feiticeira Salomé explode com vigor e criatividade, valorizando suas frases e ação e merecendo os aplausos que obteve na estréia. Ety Fraser, a admirável e simpática atriz que foi durante anos um dos esteios do grupo Oficina, está expansiva, tranqüila, sem exageros. O resto do elenco não se destaca - nem compromete. "O Duelo" vale a pena ser visto para quem aprecia teatro dramático e quer conhecer um novo autor português (Quase que escrevíamos espanhol).
LEGENDA FOTO 1 : Isabel
LEGENDA FOTO 2 : Etty
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