A época dourada dos quadrinhos eróticos
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de janeiro de 1989
Certos fatos do quotidiano só adquirem sua dimensão maior quando o tempo passa e justificam reflexões a respeito. Um exemplo: a experiência que Faruk El Khatib desenvolveu em Curitiba, a partir de 1977, na hoje extinta Grafipar, na área de publicações de quadrinhos eróticos, começa agora a merecer atenção e mesmo estudos - o que aliás aqui prevíamos (na época) iria acontecer. Nem o próprio Faruk El Khatib, então mais preocupado com a sobrevivência econômica de sua editora, imaginava que toda uma geração de quadrinistas que reuniu sob o comando de Cláudio Seto, hoje crítico de artes plásticas do "Correio de Notícias" - e ex-integrante da equipe de "O Estado", viria a marcar uma fase dos HQs no Brasil.
Pois a importância daquela produção acaba de merecer análise de duas páginas por parte de Franco de Rosa no primeiro número de "Multicomix", a primeira revista especializada em quadrinhos editada no Brasil (Cedibra, 36 páginas, Cz$ 300,00, nas bancas).
Como os quadrinhos mostraram um revigoramento nos últimos anos, numa linha bem mais audaciosa do que os chamados "gibis", que encantaram gerações de brasileiros a partir dos anos 30
(quando foram introduzidos pelo pioneiro Adolfo Aizen) um grupo de estudiosos de HQs, profissionalmente também ligados a sua produção decidiu criar uma revista de informações, reportagens e pequenos ensaios sobre o mundo dos comics. Ou seja, fazer aquilo que, ao menos no Brasil, teve em 1965, também um pioneirismo de "O Estado do Paraná", quando, aos domingos, dedicávamos toda uma página ao tema quadrinhos (só posteriormente, Sérgio Augusto viria a fazer uma coluna regular no "Jornal do Brasil"). O artigo que Franco de Rosa dedicou à Grafipar, "A Explosão do Quadrinho Erótico", é bastante detalhada, lembrando as várias fases das revistas criadas por Faruk El Khatib - a partir da ingênua "Peteca" - que era uma simples revista de passatempos, distribuída a bordo dos vôos internacionais da Varig. A abertura da Censura no final dos anos 70 estimulou que surgissem revistas audaciosas (para a época), valorizando os desenhistas e roteiristas brasileiros - a tal ponto que, num certo momento, mais de uma dezena de profissionais, vindos de várias partes do Brasil, fixaram-se em Curitiba devido as boas condições financeiras que a Grafipar oferecia.
Assim, diz Franco de Rosa em seu texto: "Em 1980, Seto conseguiu montar uma autêntica colônia de quadrinistas no bairro de Três Marias, em Curitiba. Vieram Gustavo Machado, Itamar Gonçalves, Bonini e Watson, de São Paulo. Somando-se aos já residentes Eros, Magno, Seto, Padrella, Fisher, Jan Bodaski (capas), Valden, Paulo Lima e, por último, Toninho Lima."
Dezenas de nomes são lembrados no texto, a começar pelo de Rettamozo, que com seu "Bilhete Íntimo", uma adaptação sobre desenhos de uma HQ sadomasoquista do americano Nick Cardy, "foi a semente do novo movimento (em "Personal", nº 14, 1978), que teria em "Um Estranho Sonho", também de Rettamozo (hoje na área da criação da Umuarama), a primeira história erótica brasileira da Grafipar. "A Pílula Sexual", do Retta, veio a seguir.
Aos pioneiros teóricos do quadrinho no Brasil - Álvaro Moya (autor de "Shazan", ainda hoje o mais bem informado expert), Moacyr Cirne (autor de vários livros, editados pela Vozes), Sérgio Augusto e o gaúcho Francisco Araújo - que foi o primeiro a levar a HQ como matéria para o curso de comunicação da Universidade de Brasília (e que residindo em Porto Alegre, professor da Unisinos, continua informadíssimo a respeito de tudo que se relacione a HQ, hoje ampliando sua área para telenovelas) somaram-se novos estudiosos. Um deles é o jornalista Jotabe Medeiros, ex-"Folha de Londrina", que no Caderno 2 de "O Estado de São Paulo", tem sido um dos mais atentos jornalistas a escrever sobre a matéria. Multicomix, que tem com editores Paulo Gustavo Pereira, Hélcio de Carvalho e João Paulo Martins, abre agora espaço para novas interpretações dos quadrinhos e, sobretudo, trazendo informações sobre a multiplicidade de lançamentos. Afinal, com os livros-álbuns dos chamados quadrinhos para adultos em edições L&PM, Brasiliense e, especialmente, a Martins Fontes (com clássicos europeus, na série "Ópera Erótica"), cujo custo ultrapassa aos Cz$ 10 mil, é necessário selecionar bem - acabando-se a época em que era possível se comprar todos os lançamentos de quadrinhos. A Abril trouxe às bancas, neste início de ano, "Crash - Homem de Ferro", a primeira Graphic Novel gerada por computador, arte e argumento de Mike Saenz, 66 páginas, mas ao custo de Cz$ 1.000,00 - o que, convenhamos, faz com que este novo ciclo de quadrinhos destine-se muito mais aos pais do que aos filhos.
No editorial de Multicomix é feita a indagação: "O que levar para casa entre tantos lançamentos que vão para as bancas (e agora também livrarias)?". Afinal, o mercado é hoje extenso e as opções vão das revistas tipo Heavy Metal (como "Animal"), clássicos da L&PM, as reedições em álbuns da pioneira EBAL - e os super-heróis, ganhando edições especiais como as Graphic Novels, da Abril, "American Flagg", "Lobo Solitário" e "Tartaruga Ninja", da Cedibra.
Em Curitiba, há pelo menos dois especialistas em quadrinhos, com condições de responderem tudo sobre o que acontece na área: o advogado Célio Guimarães, 46 anos e o arquiteto Key Imaguire, 41 anos - que como aqui noticiamos, no ano passado integrou um júri internacional no salão de cartoons em Montreal. Haveria um terceiro expert em HQ o saudoso Denizar Zanello Miranda - se a morte, esta inimiga cruel, não o tivesse levado há alguns anos.
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