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Aramis

A espiral da boa música (II)

Fortaleza, maio - O Projeto Espiral, cujos resultados concretos puderam ser aquilatados no último fim-de-semana, durante o 2 Encontro Nacional de Professores de Instrumentos de Cordas, partiu de uma realidade básica: por motivos diversos gerou-se no panorama musical de nossos País um gravíssimo problema - nossas orquestras existentes e outras em vias de serem organizadas, vêem-se obrigadas a contratar músicos estrangeiros em massa, ante a carência de instrumentistas nacionais em número bastante para preencher os claros em seus quadros. Como afirma o maestro Marlos Nobre, ex-diretor do Instituto Nacional de Música e o grande idealizador deste projeto, "os salários de nossa orquestras sinfônicas subiram de maneira geométrica e passaram a interessar sobremaneira os músicos latino-americanos, europeus e norte-americanos que aqui arribaram em quantidade ponderável". Embora o INM, na administração de Marlos Nobre, sempre considerasse como medida perfeitamente válida e, em muitos casos, até necessária, a importação de músicos e profissionais estrangeiros que trazem bagagem técnica e artística para somar aos esforços nacionais - "foi assim que os EUA construíram uma potência musical que ostentam hoje no panorama internacional" -, os problemas de uma mera importação aparecem, caso este sistema seja posto em prática sem um planejamento global. Assim, o Projeto Espiral do INM, implantado a partir de 1976, com o primeiro núcleo em Fortaleza, não foi apenas um plano de intensificar o ensino dos instrumentos de cordas, "mas de planejar e coordenar a contratação de músicos estrangeiros no Brasil", conforme afirmação de Marlos Nobre. Estes, entretanto, devem vir ao Brasil não só para tocar, mas sobretudo para ensinar. É nesta perspectiva que o ex-diretor do Instituto Nacional de Música encarava o problema e iniciou o planejamento do sistema, principalmente junto aos nossos organismos sinfônicos. Em algumas sinfônicas brasileiras tal sistema vem sendo, paulatinamente, implantado, haja visto a existência dos cursos de preparação de novos músicos na Sinfônica de Porto Alegre e Sinfônica Brasileira, por exemplo. Assim como a Escola de Música e Belas Artes do Paraná teve chance de melhorar a qualidade do ensino com a contratação de músicos e professores de grande capacidade, como Paulo Buzizio (violino), Kubala (violoncelo) e Norton Morozowicz (flauta), este curitibano, mas há 10 anos na Sinfônica Brasileira onde é primeiro flautista - a melhoria de uma Sinfônica só é possível com o reforço de bons instrumentistas e reciclagem de maestros. No Paraná, quando se procura harmonizar uma política cultural entre a diversas unidades, a questão de uma orquestra sinfônica, de dimensão nacional, constitui um autêntico calcanhar-de-aquiles, já que implica em vaidades pessoais, interesses de pessoas e grupos de mesmo envolvimento político. Muito dos problemas que professores e músicos de vários Estados reunidos em Fortaleza discutiram e analisaram, são comuns também em Curitiba, o que vem a provar a necessidade de que realmente para se levar à frente uma programação séria e de resultados concretos, no desenvolvimento do ensino e, principalmente, profissionalização musical, há necessidade de existir muita disposição, coragem e independência dos homens que, circunstancialmente, detêm as rédeas do poder. O Projeto Espiral, concebido há 3 anos e que tem-se desenvolvido em Porto Alegre, Florianópolis, Brasília, Recife, João Pessoa, Natal e Belém, em métodos e características diferentes - em convênios com o Sesi (Fortaleza, Brasília), secretarias de Cultura e Universidades - como toda idéia ampla, encontra pontos de residência e problemas, mas o positivo é que as sementes lançadas germinaram a curto e médio prazos. A apresentação da orquestra formada pelos alunos do núcleo de Fortaleza foi um exemplo concreto de que ensinar instrumentos de cordas a jovens, e formar um grupo em que o amor, o entusiasmo e a alegria de fazer a boa música, é possível. Problemas políticos, econômicos, vaidades humanas, intrigas - enfim, tudo o que tolhe os grandes projetos, são superáveis se existir a disposição de levar à frente uma grande idéia. E esta idéia - a de que "O Brasil pode ser uma orquestra - Dê um instrumento a uma criança" - foi o grande ponto do Espiral, projeto concebido em duas atividades distintas e paralelas: a coordenação de ensino e a coordenação de lutheria - qual seja, paralelamente à formação de instrumentistas (cordas, numa primeira etapa: sopros e percussão posteriormente), a de fabricação de instrumentos, esta já em pleno funcionamento. Mesmo não podendo, em tempo hábil suportar a demanda que o Projeto requer em sua fase inicial - a Escola Nacional de Luthera tornou-se possível graças ao convênio firmado entre a Funarte e a Funabem, resultando uma oficina (Rua Clarimundo de Melo, 847, Rio de Janeiro), onde jovens, provindos de Estados diferentes - e neste caso, o Paraná ficou ausente, ao contrário do Pará que já enviou dois aprendizes - ao lado de menores abrigados pela Funabem, fazem o aprendizado durante 3 anos, sob a mestria do professor Guido Pascoli, cuja larga experiência como construtor e pesquisador de instrumento de [cordas] no Brasil o credenciou imediatamente para assumir a coordenação de Lutheria do Projeto Espiral. O grande sonho de Pascoli sempre foi de criar uma escola de treinamento de jovens, legando assim seus conhecimentos às gerações futuras - o que se torna realidade como este projeto. Na oficina do INM, já se construíram mais de cem instrumentos dentre violinos, violas, violoncelos e contrabaixos em apenas seis meses de ensino. Foram já recebidos 15 m2 de madeira do Espírito Santo, suficientes para trabalhar os primeiros moldes de mil instrumentos de arcos: já foram compradas 1.030 cordas em São Paulo, estando adiantados os entendimentos com a indústria especializada brasileira para melhoria do nível de fabricação deste material, tendo em vista o volume crescente de encomendas que serão necessárias para o Projeto. Entretanto, como a implantação do Espiral em apenas 8 cidades, já atinge 1.030 alunos, a falta de instrumentos em muitas cidades - como Florianópolis, onde é problema dos mais graves levou o INM a lançar a campanha de doações de instrumentos às crianças - forma de fazer a comunidade participar de um grande projeto - que, partindo de feliz frase de que o Brasil pode ser uma orquestra, [também] traduz a idéia de que como uma boa orquestra precisa englobar os conceitos da participação conjunta, organização e harmonia, também para que se realize algo de concreto há necessidade de integração, organização e harmonia. Lições que devem se transmitidas a todos aqueles que têm a obrigação de bem dirigir as entidades voltadas à cultura, a educação e, sobretudo, ao bem estar social do homem.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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16/05/1979

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