E a Funarte perdeu seu melhor executivo, HBC
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de julho de 1989
A Fundação Nacional das Artes perdeu o seu maior animador cultural. Desde o dia 17, em caráter irrevogável, Hermínio Bello de Carvalho deixou a direção da divisão de música popular do Instituto Nacional de Música Funarte para se dedicar exclusivamente a produção de seu programa "Mudando de Conversa", da TV Educativa do Rio de Janeiro. Oficialmente, devido a mudanças no estatuto do funcionalismo público, ficaram vedados exercícios de cargos em mais de uma instituição. Assim, Hermínio teve que fazer uma opção e preferiu a produção do programa de televisão.
Poderia, neste "país do jeitinho", encontrar fórmulas conciliatórias. Entretanto, pela integridade, independência e honestidade que sempre o caracterizaram, não quis medidas paliativas. Mesmo com prejuízo financeiro, abriu mão de um cargo que criou e dignificou. Ele perde um salário. O Brasil perde muito mais.
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O relatório das atividades de tudo que Hermínio fez nos 13 anos em que passou na Funarte - e que divulgaremos nos próximos dias - mostra que mais do que a chefia de uma divisão dentro de uma fundação cultural, ele foi realmente a alma, o espírito e a força condutora dos projetos mais bem sucedidos a partir de 1976. Ao lado do grande poeta, letrista, escritor, diretor e criador, Hermínio também mostrou seu lado de administrador cultural - trazendo a experiência da iniciativa privada (executivo por quase 20 anos da Saveiros, uma firma de exportação), o que fez sua passagem pela Funarte uma sucessão de idéias que foram concretizadas com organização, seriedade e perfeição - características de toda a sua vida.
Hermínio deixou a direção da divisão de música popular da Funarte - substituído por Paulo César Soares, que vinha coordenando o Projeto Pixinguinha - mas não vai parar, felizmente, de dar sua contribuição a nossa música. Está mixando um disco gravado ao vivo por Elisete Cardoso e o violonista Baden Powell, que terá uma primeira tiragem patrocinada por H. Stern - e que, se espera, venha a ter também uma edição comercial. Na sexta-feira, embarcou para Recife, onde passará dois meses completando um projeto que vinha desenvolvendo ainda na Funarte: um disco, "A Noite é Grande", em homenagem aos 25 anos da morte de Antônio Maria (Araújo de Morais - Recife, [?] 17/1921 - Rio de Janeiro, 15/10/1964), a serem comemorados a partir de outubro. O disco reunirá as mais belas canções do jornalista e letrista pernambucano nas vozes de Nora Ney, sua maior intérprete, mais artistas pernambucanos como Baracho, Dalva Torres, Claudionor Germano e Luís Bandeira.
Paralelamente, a edição do livro "Pernoite", antologia de crônicas que Antônio Maria publicou na "Manchete" nos anos 50 - e que se somará ao "Jornal de Antônio Maria" e a um livro-álbum, editado pelo governo do Distrito Federal, com fragmentos de sua obra. Este volume, publicado quando o hoje ministro da Cultura, José Aparecido, era o governador de Brasília, teve apenas uma pequena edição, de circulação restrita. José Aparecido, em seus tempos de jornalismo e boemia musical, foi grande amigo do autor de "O Amor e a Rosa". Que falta faz Antônio Maria dos sambas dor-de-cotovelo, das grandes letras e também o cronista bem humorado, unindo a ferinidade oposicionista com o lirismo, que marcou época em seu "Jornal" na fase áurea da "Última Hora". Uma personalidade tão incrível e fascinante, que por ele se apaixonaria a bela Danusa Leão, então esposa do dono do jornal, Samuel Wainer, para juntos viverem um breve, mas intenso e grande amor.
Antônio Maria merece ser lembrado. E nada melhor do que em música e em livro, coordenados por Hermínio - que pelo muito que já fez, por certo deve agora, livre dos horários e camisas-de-força da burocracia cultural, realizar muito mais. Aos 54 anos, completados no dia 28 de março, em sua maturidade de poeta e criador, tem muito ainda a dar para que ao menos haja poesia e música no ar. O Brasil precisa de seu talento.
LEGENDA FOTO - Hermínio: Funarte perdeu seu melhor animador cultural.
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