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Gomes, antes do editor, o escritor de dignidade

Desenvolvendo o mais sério trabalho editorial, em termos de iniciativa privada no Paraná, Roberto Gomes, catarinense de Blumenau, 44 anos - a serem completados no dia 8 de outubro, não pode ser esquecido, antes de tudo, como escritor. Por isto merece mais um registro - embora com certo atraso - a feliz idéia de Leilah Santiago de Oliveira, coordenadora da Editora Scientia et Labor da Universidade Federal do Paraná, em abrir a série "Paranaenses", enfocando justamente Roberto Gomes. Viabilizado através de convêncio com as Secretarias da Cultura e Educação, esta séire pretende tornar mais conhecidos os nossos autores (o segundo focalizado é Paulo Leminski, hoje radicado em São Paulo), através de ensaios críticos, biografias e outros textos. A escolha de Roberto Gomes para abrir a coleção demonstra também os novos tempos que a visão democrática do reitor Riad Salamuni trouxe para a nossa septuagenária (e infelizmente, ainda artereclerosada) universidade. Isto porque, se Salamuni não fosse uma administrador que deu a Leilah ampla liberdade na direção da editora, por certo "forças ocultas" procurariam impedir que um livro sobre Roberto Gomes saísse pela editora universitária. Há 12 anos, Roberto Gomes foi demitido da Universidade Católica do Paraná, sob a alegação de que em suas salas "pregava a subversão". Formado em filosofia em 1969 (em 1964, quando veio para Curitiba, foi reprovado nos vestibulares de engenharia e arquitetura), Roberto foi professor de Estética e Psicologia Geral na UCP, a partir de 1970, mas naquele período de caça as bruxas, devido sua visão liberal sofreu perseguições. Em 1976, embora concursado, não pode lecionar na Universidade Federal do Paraná, pois seu contrato foi barrado pela AESI, órgão dos serviços de informação, então dirigido por um ex-bedel da Faculdade de Direito. A alegação era de que Gomes haia sido, em 1964, um grande amigo de Luís Carlos Prestes (com quem nunca cruzou na vida) e que passara um ano estudando na Rússia (logo ele, que até hoje não conhece nem o Paraguai). Ainda naquele triste ano de 1976, morreu seu pai, João Gomes, "O melhor personagem de ficção que conheci", diz, acrescentando: "só então me convenci de que sou mortal". Em 1977, deslancharia sua atividade como escritor: na antologia "Assim escrevem os paranaenses" publicou o conto "Motivos para assassinar Chico Buarque de Hollanda". No I Concurso Nacional de Contos Unibanco foi premiado com o conto "Sabrina de trotoar e de tacape" (que seria filmado pelo paulista Guilherme de Almeida Prado, sem sua autorização, motivando uma questão judicial só encerrada neste ano). E, pela editora Movimento, saiu a primeira edição de sua obra mais importante - "Crítica da Razão Tupiniquim" (hoje já a caminho da décima edição). Em 1978, além de trabalhar contos que publicaria em 1981, Roberto iniciou a redação do romance "Alegres memórias de um cadáver", em cuja pesquisa recolheu editais, ofícios e regulamentos da Universidade - produzindo um dos mais contundentes livros críticos à mediocridade acadêmica - uma forma inteligente de denunciar a injustiça e perseguição sofrida dois anos antes. Em 1979, em São Paulo, fez pós-graduação em Filosofia de Educação e teve premiação, desta vez com um texto infantil ("O menino que desobriu o Sol"). Foi um dos fundadores da Cooeditora, pelo qual saiu a primeira edição de "Alegres Memória de um Cadáver". Em 1981, de volta a Curitiba, fundou, a Criar Edições que, através de um trabalho organizado se consolidaria como a mais profissional de nossas editoras - desde a década de 40, quando aqui existiu a Guaíra (um período a espera de estudos profundos). Alternando livros infantis, crônicas e romances, (publicou "Terceiro Tempo de Jogo", trabalha num outro sobre a luta de terras no Sudoeste do Paraná e tem pronto "Os dias do demônio"), Roberto Gomes vem se preocupando especialmente em publicar bons livros destinados às crianças. Enfrentando as naturais dificuldades que asfixia pequenas editoras, lutando pelo seu espaço - mantém a dignidade que o caracteriza e o faz merecedor do respeito de todos que o conhecem - e com uma obra em progresso. Não há dúvidas, que a série Paranaenses não poderia ser mais justa ao focalizá-lo. Catarinense de Blumenau, é hoje um honesto e sincero Bicho do Paraná - mais do que milhares dos que aqui nasceram e nunca fizeram nada pelo nosso Estado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
17/07/1988

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