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Grammy, a festança dos desconhecidos

A transmissão, ao vivo, da 29º festa de entrega dos Grammys (madrugada de ontem, diretamente do Shrine Auditorium, Los Angeles), visto pela primeira vez, integralmente, na televisão brasileira, valeu por várias razões. Em primeiro lugar por dar uma atualizada geral em termos da música que se consome hoje nos Estados Unidos, com inúmeros cantores e compositores que, a não ser para uma minoria (jovem) yuppie, bem informada (via publicações especializadas e discos importados), que ainda são desconhecidos no Brasil. Este aspecto talvez tenha feito a audiência do programa cair - não só pela longa duração (três horas e meia), como na entrada pela madrugada de um dia útil. Para o público tradicional, poucos nomes que ali apareceram poderiam estabelecer uma empatia, soando a maioria como ilustres desconhecidos. Como a Associação Brasileira de Produtores de Discos está reativando, após uma parada de seis anos, o seu Prêmio Anual do Disco - que este ano terá também o critério de indicações (por parte de algumas centenas de votos), ao lado dos campeões em vendagem, a festa do Grammy não deixa de ser um parâmetro. Claro, que a versão tupiniquim que a ABPF pretende realizar dentro de 60 dias, também numa noite festiva, não terá o luxo e a sofisticação da noitada acontecida terça-feira em Los Angeles. Também as categorias são bem mais reduzidas, pois o Grammy tem mais de 50, oferecendo premiações a gêneros específicos e chegando até o detalhe de premiar o melhor texto de contracapa, por exemplo. xxx A começar pelo próprio mestre-de-cerimonia da festa do Grammy - o cantor Billy Crystal - tanto os convidados para apresentação dos candidatos nas diversas categorias, como a maioria dos candidatos era praticamente desconhecida em termos de grande público no Brasil. A atração maior para os telespectadores foi praticamente eliminada antes do início da transmissão, quando se anunciou que a cantora brasileira Flora Purim, indicada pela terceira vez ao prêmio - e concorrendo este ano por "Esquinas" (Djavan), de seu álbum "The Magicians", na categoria de melhor cantora de jazz, havia perdido para a desconhecida (no Brasil) Diane Schuur. É claro que a torcida nacionalista desapareceu. Dona Zelinda Moreira, 70 anos, mãe do percussionista Airto Guimorvan e portanto sogra de Flora, que, emocionada, ao lado da filha e netos, em sua casa no Boqueirão, preparava-se para acompanhar a transmissão da festa, não teve dúvidas. Desligou o aparelho e foi dormir. Aborrecida, naturalmente! xxx Aliás, a indicação do prêmio na categoria na qual Flora concorria - a exemplo de várias outras - havia sido feita antes mesmo do evento iniciar, dentro dos critérios da Academia de Artes e Ciências Fonográficas, que promove desde 1958 esta festa, que corresponde para o disco o que é o Oscar para o cinema, o Tony para o teatro e o Emmy para a televisão nos Estados Unidos. Jazzisticamente, o momento de maior emoção e beleza foi, sem dúvida, quando Bobby McFarrim interpretou a música-tema de "Round Midnight" (do filme "Ao Redor da Meia-Noite", ainda inédito no Brasil), acompanhado por Herbie Hancock ao piano. Em termos de harmonia foi o grande momento de uma noite em que se ouviu muito rock, country e que, em emoção nostálgica teve também ponto alto com a união de mestres do blues como B.B. King (que no ano passado se apresentou no Guaíra), Albert King, Etta James, Koko Taylor e Willie Dixon - merecidamente aplaudidos em pé pelo público que lotava o Shrine Auditorium. xxx Assim como "We Are The World", por seu sentido humanitário, foi a grande premiada na edição do Grammy no ano passado (dia 26/2/86, no mesmo auditório), este ano a premiação de "That's With Friends Are For" (Burt Bacharach/Carole Bayer Sager) também era esperada. Independente de ser uma bela canção (e valorizada pela interpretação de Dionne Warwick, Gladys Knight e Stevie Wonder), esta música está tendo toda sua renda (que já passa dos US$ 700 milhões) aplicadas em favor de pesquisas para se encontrar a cura da Aids. xxx Entre uma e outra entrega do Grammy, números musicais se sucederam no palco - trazendo Witney Houston (uma das premiadas do ano passado), Billy Idol, Bobby McFarrim - entre os mais conhecidos - e muita gente nova para o público brasileiro, como o grupo Simply Red, Luther Vandross, os intérpretes de country Steve Earl, Trandy Travis e Dwight Moakam, a cantora de blues Sandy Patti (premiada aliás com o Grammy em sua categoria), com a belíssima "Morning Like This", título de seu álbum ainda inédito no Brasil. xxx Miles Davis, 60 anos, tradicionalmente uma das pessoas mais irascíveis e antipáticas do mundo jazzístico, apareceu surpreendentemente simpático, em trajes de couro, óculos escuro (que tirou por duas vezes), ao lado do desconhecido Ruben Blades, para anunciar Bobby McFerrim, como o melhor vocalista de jazz - num páreo em que concorriam, entre outros, também os excelentes Mel Thorme e Joe Williams. Aliás, o próprio Miles também ganhou uma premiação com o seu (esplêndido) álbum "Tutu", o primeiro que faz na WEA e já editado no Brasil. xxx O presidente da Academia de Artes e Ciências Fonográficas, Michael Greene, anunciou as duas homenagens especiais. Uma a Billie Holliday (1915-1959), reverenciada com uma de suas mais famosas canções na interpretação da surpreendente Anita Baker. O outro homenageado esteve presente e acompanhando-se ao piano cantou uma de suas canções: Johnny Mercer, 78 anos, autor de clássicos como "Moon River", "The Days of Wine and Roses" e "One For my Baby", entre outros. Sua esposa, Ginger, recebeu emocionada o troféu Grammy e, com bom humor, repetiu o que Mercer havia dito, há 25 anos, quando, na festa do Oscar, ganhou o Oscar de melhor canção por "Days Wines And Roses" (do filme "Vício Maldito"): Vamos tomar agora um martini! xxx Barbra Streissand levou 24 anos após sua primeira premiação com o Grammy ("Happy Days Are Here Again", disco de 1963), um novo troféu, desta vez pelo belo "The Broadway Album" (CBS, já editado no Brasil). Lembrando que 24 é o seu número da sorte - nasceu no dia 24 (de abril de 1942), seu filho também nasceu num dia 24 - e, bem humorada, disse: "Espero, daqui há 24 anos, voltar a buscar mais um Grammy". Robert Palmer, elegantemente, levou o prêmio como melhor vocalista de rock e também o do melhor disco nesta categoria, enquanto Tina Turner ficou como a vocalista de rock e Peter Gunn na categoria de instrumentista. Paul Simon, com seu supervalorizado "Graceland" (lançado no Brasil pela WEA há poucas semanas) acrescentou o Grammy de álbum do ano, já no encerramento, chamado ao palco pela atriz Whoopi Goldberg ("A Cor Púrpura"), que, no ano passado, ganhou também o Grammy com um álbum de humor (mas indicada ao Oscar de melhor atriz, perdeu para Geraldine Page). xxx Assim como o Oscar é o grande veículo promocional da indústria cinematográfica, o Grammy é uma catapulta para as gravadoras multinacionais. Fábricas como a CBS, RCA e, especialmente a Warner se beneficiarão bastante com a transmissão, este ano, da festa de terça-feira, que serviu para trazer aos vídeos as imagens de intérpretes e compositores que surgindo com força nos últimos meses, já têm também mercado assegurado no Brasil - como em outros países. Afinal, nem tudo é jazz, mas tudo é marketing. E milhões de dólares correndo em nome da arte.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
26/02/1987

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