A grande gravação da "Stabat" de Pergolesi
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de maio de 1987
No decorrer de sua curta vida - morreu em 1736, com apenas 26 anos - Giovanni Battista Pergolesi escreveu bem menos música do que até recentemente se supunha. Ele chegou a obter sucesso em vida, mas após a sua morte a fama de certas obras - em particular de "Stabat Mater", do qual temos agora uma nova gravação com a Sinfônica de Londres, regência de Claudio Abbado (Deustsche Grammophn/Polygram, março/87) - espalhou-se como relâmpago por toda a Europa. Surgiram arranjos dos mais diversos desta obra e o estudioso Helmut Hucke declarou (apesar de ser difícil comprovar sua afirmativa) que foi a obra mais freqüentemente editada no século XVIII. J.S. Bach arranjou alguns movimentos para o texto alemão do Salmo 51; Hiller adaptou-a para um poema alemão de Klospstock; uma edição publicada em Londres e reelaborou os movimentos para musicar uma ode do Papa Elxandre. Compositores posteriores inflaram a obra, arranjando-a para coro e orquestra. Paisiello a elaborou em 1810. Salieri (ele mesmo, o arquiinimigo de Mozart) fez dela uma outra edição e sobrevive ainda uma versão de 1831 para orquestra, incluindo trompetes, trombones e tambores. Mesmo hoje, "Stabat Mater" é freqüentemente ouvida com um coro cantando alguns dos movimentos. E, no entanto, Pergolesi a escreveu na íntegra somente para duas vozes solistas.
Como ensina o musicólogo Nicholas Kenyon, tudo isto testemunha a fama extraordinária da obra e o sucesso com que captou as atitudes devocionadas de meados do século XVIII. Isso também ajuda a explicar por que, na ausência de obras mais genuínas de Pergolesi, toda uma torrente de obras forjadas e erroneamente atribuídas, surgiu no início do século XIX, não tendo sido até hoje inteiramente retiradas do mercado. Com o florescer da indústria da impressão de músicas, com a expansão de comunicações rápidas entre os países europeus e com a sede por obras originais de compositores famosos, não surpreende que muitos Pergolesi duvidosos começassem a circular, assim como Haydn, de autoria duvidosa.
De 148 obras atribuídas a Pergolesi, apenas 30 delas são seguramente de sua autoria, 69 não são decididamente de sua autoria e 49 ainda dão margem a dúvidas. Assim, este italiano que viveu apenas 26 anos, deixou uma obra que 250 anos após a sua morte, desafia musicólogos e pesquisadores.
Com poucas gravações no Brasil, a edição da íntegra de "Stabat Mater", para soprano, contralto, cordas e contínuo, em impecável registro da Orquestra Sinfônica de Londres, realizada há 2 anos, é imperdível aos que buscam completar suas coleções. Participam desta gravação a soprano Margaret Marshall, a contralto Lúcia Valentini Terrarini e o organista Leslie Pearson. A capa da caprichada edição traz um detalhe do "Sepultamento de Cristo", óleo de Raffaello Santi, da Galleria Borghese, em Roma.
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