A grande noite do tango de Pugliesi
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de julho de 1986
Nervoso, suando apesar do frio que fazia na noite de segunda-feira, esbaforido, o advogado Emílio da Silva Junior, 62 anos, de Florianópolis, corria pelos corredores do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, com sete elepês do maestro Osvaldo Pugliesi debaixo dos braços. emocionado por poder abraçar o seu ídolo o velho advogado catarinense - que havia vindo a Curitiba especialmente para assistir a única apresentação da orquestra de Pugliesi - contava que embora costume viajar regularmente a Buenos Aires, "Para ouvir tango no Caño 14" nunca tinha conseguido aplaudir, ao vivo, Pugliesi.
- Assim, não poderia perder esta oportunidade! - explicava, enquanto pedia autógrafos do maestro Pugliesi nos discos recém-adquiridos - os quais acrescentou a sua coleção de 600 elepês de tango.
Mais calmos, mas também emocionados por conhecerem Pugliesi, estavam Egon Koerner, 55 anos, advogado e cartorário em Porto União, ao lado de sua jovem esposa, Cleidesi, e o farmacêutico Amadeu de Paula e Sousa, 56 anos, de União da Vitória. Também viajaram a Curitiba especialmente para o concerto de segunda-feria à noite.
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Se comparado ao recente show de B. B. King, no mesmo auditório, a platéia que ocupou mais de 50% dos lugares do Teatro Guaíra, na segunda-feira podia ser classificada de "tão fria quanto a noite que fazia". Senhores e senhoras de meia idade, muitos argentinos, aplaudindo discretamente. Entretanto, era um público atento, sentindo a beleza de um concerto de tango - e não aqueles medíocres espetáculos caça-níqueis, que sazonalmente percorrem as cidades brasileiras, com o apelativo título de "Uma Noite em Buenos Aires".
Nome maior do tango, aos 80 anos, pianista, regente e compositor, Osvaldo Pugliesi, pela primeira vez no Brasil, trouxe um espetáculo de grande beleza. cinco excelentes violinistas, três bandoneonistas, um baixista e dois ótimos cantores, formando uma orquestra típica, com um repertório dos grandes tangos - embora não forçosamente standads populares, o que pode ter decepcionado quem esperava apenas uma sucessão de êxitos de Gardel.
Claro que Gardel e La Pera foram lembrados, mas apenas ao final, nos dois números extras, com "Melodia de Arrabal" e "Volver". Antes, o próprio Pugliesi anunciou o seu pessoal arranjo para "Carinhoso" (Pixinguinha), com envolvente moldura em bandoneon e violinos.
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Dona Lídia, a simpática esposa do maestro Pugliesi, no camarím, falando um portuñol que ajudava a comunicação com o maestro, explicava o sentido do espetáculo:
- "O maestro prefere apenas apresentar música. Quando lhe perguntam porque não há danças, ele diz: "o tango já é a dança sonora...".
Realmente, o recital de Osvaldo Pugliesi e sua orquestra foi um momento da melhor música porteña. Sem concessões, um síntese da obra deste admirável mestre latino, com extensa obra gravada - infelizmente inédita no Brasil - mas que, aos que compareceram, tiveram chance de adquirir alguns exemplares, de seus discos e fitas, com marcos de suas obras registradas a partir de julho de 1943, na Odeon argentina.
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Para o empresário Carlos Eduardo Chaíben, a quem Mírian Dauelsberg, da Dall'Arte, confiou a temporada em Curitiba, a apresentação de Pugliesi foi altamente significativa: desentocou um público normalmente distante do Guaíra, motivando até que fanáticos pelo tango - de Florianópolis, União da Vitória e outras cidades - aqui viessem para aplaudir 90 minutos da melhor sonoridade musical. E voltassem satisfeitos, felizes.
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