A guerra dos meninos na visão curitibana
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de outubro de 1991
- "Pelo menos 10 dos garotos que aparecem em "A Guerra dos Meninos" já foram assassinados nos últimos sete meses. E a previsão é de que ao menos 20% dos outros que aparecem nas cenas do filme estão condenados a também serem eliminados em breve".
Ao impacto e emoção que a projeção de "A Guerra dos Meninos" provocou em 250 pessoas que superlotaram o auditório do SENAC, na tarde de quinta-feira, 11, as palavras do educador popular Carlos Antônio Bezerra da Silva, 27 anos, um paraibano que há sete anos trabalha junto ao Instituto Brasileiro de Inovação em Saúde Social, no Rio de Janeiro, e que foi pesquisador-assistente tanto do jornalista Gilberto Dimenstein como da cineasta Sandra Werneck, para a realização dos contundentes livro e filme sobre a violência que se pratica contra as crianças nas grandes cidades, calaram profundamente.
Convidado pela Câmara de Curitiba - que por iniciativa da vereadora Nelly Almeida, marcou a passagem do dia da Criança com a exibição do documentário premiado em Gramado, Bezerra da Silva, com sua sinceridade nordestina, de homem que acompanha diariamente a violência urbana, abriu os debates de uma das mais oportunas iniciativas que o Legislativo curitibano já fez em favor de um problema atualíssimo.
Assim foi a apresentação do documentário que Sandra Werneck realizou para denunciar em imagens da maior coragem a verdadeira guerra civil que ocorre nos últimos anos contra as crianças e adolescentes - "só este ano, até setembro, foram mortos 311 menores apenas no Rio de Janeiro" lembrou Carlos Antônio Bezerra, comparando aos 450 registros oficiais de 1990, "o que totaliza mais crianças mortas nas ruas de nossas cidades do que na recente guerra do Golfo".
Infelizmente, a secretária municipal do menor - Sra. Fany Lerner - que compôs a mesa - retirou-se assim que os debates foram iniciados, coincidentemente quando o combativo vereador Jorge Sameck (PT), fazia uma oportuna intervenção contestando a afirmação feita, momentos antes, pelo delegado de menores, Adelino Anacleto, de que as imagens do filme não refletem a realidade curitibana, onde a violência que vemos na tela só poderá chegar dentro de cinco anos.
Ao contrário, a miséria e a violência atingem também as crianças em Curitiba, especialmente da periferia, como mostrariam, em oportunidades, mais de 20 pessoas que, até às 18:00 horas, participaram de debates as vezes bastante acalorados.
Se oficialmente estão recenseados 886 menores de rua em Curitiba - 284 dos quais dormem em lugares incertos - e, em compensação, graças a reconhecida dedicação de Fany Lerner (e um generoso orçamento que sua pasta vem recebendo) existe uma política de estímulo para instalação de creches (já há 102 funcionando, mais 56 outras conveniadas), nem por isto vivemos numa "Suíça brasileira" - expressão recusada, aliás, pelo próprio prefeito Jaime Lerner, quando se fala no fato de que, para consumo Exterior, o marketing promocional de Curitiba proteja a imagem de uma cidade sem favelas, sem miséria, sem menores abandonados.
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Enquanto o juiz Robinson Marques Cury, ex-titular da Vara de Menores - e representando o Tribunal de Justiça - e o delegado de menores Adelino Anacleto, procuraram dar visões oficiais, das limitações das responsabilidades do judiciário e da segurança em relação aos problemas, as intervenções de outras pessoas presentes na reunião foram bem mais contundentes. Do auditório, a Sra. Lúcia Requião, irmã do governador do Estado e que dirige o válido trabalho da ASSOMA - Associação dos Meninos de Curitiba, questionou o fato de que a Polícia, segundo alegações do delegado Anacleto, não tem condições de coibir o uso de cola-de-sapateiro por centenas de crianças "porque esta substância não está relacionada como tóxica" (sic) segundo o policial. Aliás, a discussão deste assunto ocupou precioso tempo, com uma demorada explanação do juiz Robinson em relação as limitações do judiciário em muitos casos.
O advogado Luiz Fernando Corrêa Kuster Filho, assessor legislativo da Câmara e comissário (voluntário) de menores, foi o primeiro a lembrar que o problema da infância abandonada existe - e de maneira muito contundente também em Curitiba, embora reconheça os esforços que a secretária Fany Lerner - e outras pessoas - vem fazendo.
O problema, entretanto, é muito mais do que o simples assistencialismo oficial ou privado - o que foi lembrado pela professora Paula Gomide e, especialmente pelo pastor Altair Costa Santos, 61 anos, da Igreja do Evangelho Eterno, juiz aposentado - e que em 1975, quando na vara de menores, conseguiu desenvolver um inédito programa de adoção, "que permitiu, por três anos, que não houvesse crianças a espera dos pais adotivos em Curitiba". Rompendo um silêncio que se havia imposto há 16 anos - quando, perseguido devido suas posições inovadoras e vendo um projeto que surgiu na Câmara, "capaz de solucionar, em parte, o problema", ficar até hoje, sem qualquer encaminhamento o fez levantar-se para oferecer o melhor depoimento entre os muitos que a exibição de "A Guerra dos Meninos" provocou.
Apesar de poucos vereadores terem comparecido - entre os que ali estiveram, os petistas Jorge Sameck e Sílvio Miranda, Paulo Salamuni, Fabiano Borba Côrtes, Jair César e Rosa Maria Chiamulera, a sessão foi válida - e prestigiada pela presença do vice-prefeito Algaci Tulio.
A vereadora Rosa, sempre preocupada com o planejamento familiar, lembrou que a questão do menor passa pela necessidade de adoção de uma política realista em termos de limitação da natalidade. Já Jair César (PDT), criticou a falta de uma política de orientação aos menores, com poucas escolas e a inexistência de uma política esportiva, "enquanto estabelecimentos modelares como o Colégio Militar de Curitiba tornam-se ociosos, abandonados em suas potencialidades".
A sociedade civil, idealisticamente preocupada com a questão da violência urbana, se faz representar, entre outras vozes, pela bela socióloga Silmara Aibes dos Santos, 25, coordenadora regional do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e pelo atuante Pedro Guimarães, 30 anos, do Movimento Ação Ecológica. A Sra. Clotilde Quadros Cravo - prima do ex-presidente Jânio Quadros, uma das mais ferozes feministas da cidade, em bem humorada intervenção, também deu um depoimento oportuno, extrapolando suas críticas não só a falta de uma programação em favor dos menores, mas reiterando denúncias contra o governo federal e, especialmente, os marajás legislativos. Foi muito aplaudida.
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Coincidentemente, na mesma quinta-feira - em cuja tarde, graças ao trabalho da vereadora Nelly Almeida (que se mostrava, naturalmente, tensa, pelo estado e saúde de seu marido, o estimado médico Félix do Rêgo Almeida, internado horas antes para submeter-se a delicada intervenção cirúrgica) aconteceu a exibição-debate de "A Guerra dos Meninos", a noite, no Goethe Institut, houve outro evento oportuno. Foi a exibição do semi-documentário "El Chacal de Nahueltoro", do chileno Miguel Littin, seguido de uma mesa redonda sobre a pena-de-morte.
Dois exemplos de filmes de utilidade pública, indispensáveis de serem vistos e reflexionados. Em relação "A Guerra dos Meninos", a sessão de quinta-feira aprovou oficialmente uma decisão da Câmara; a FUCUCU, que explora comercialmente três salas de exibições, deverá programar em breve, este documentário, para que todas as pessoas conscientes e preocupadas - e não apenas os que comparecem ao SENAC, na tarde de quinta-feira - conheçam uma triste realidade atual.
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