Há 30 anos, 500 marchas e sambas faziam o Carnaval
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de março de 1992
Observando - se algumas músicas do Carnaval de 1962, nota-se que aquele ano refletia as grandes temáticas que sempre marcaram a criação popular. Assim havia marchinhas satirizando fatos políticos, filmes - "O Belo Antonio" (J. Mascarenhas/ Moacir Vieira e Luis Januzzi) - aproveitando o sucesso do filme de Mauro Bolognini, a moda ("Garota Saint-Tropez", João de Barro e Jota Júnior) ou a liberação feminina, mas vista ainda preconceituosamente: "Andorinha" (Haroldo Lobo/ Milton de Oliveira), até hoje cantada nos salões em seu refrão:
Mulher casada/ que anda sozinha
É andorinha/ É andorinha
É andorinha/ Que sozinha/ Faz verão
Homem casado/ Sozinho é gavião
A atenção feminina também motivou outra marcha de grande sucesso, que virou neologismo: "Vou ter um troço" (Arno Provenzano, Otolindo Lopes e Jackson do Pandeiro).
Garota/ Você é uma gostosura
Foi proibida/ Pela censura
Sai de perto de mim/ Olhar pra
você eu não posso
Me segura que eu vou ter um troço
1962 foi também o ano de um belo samba, "Se Eu Morrer Amanhã" (Garcia Jr./ Jorge Martins), com uma letra existencialista:
Se eu morrer amanhã/ Não levo
saudade
Eu fiz o que quis/ Na minha
mocidade
Pelo menos até o início dos anos 70 - quando os sambas-de-enredo das grandes escolas passaram a se destacar ao tempo em que as rádios deixavam de divulgar sambas e marchinhas e as gravadoras, pouco a pouco, foram abandonando o gênero, a fixação em qualquer ano carnavalesco traz material dos mais ricos. São músicas que focalizavam temas do ano, usavam o humor, a picardia, a malícia e, entre a [quantidade] havia a qualidade.
Portanto, é natural que folheando-se os catálogos carnavalescos que o Escritório Central de Direitos Autorais só distribuiu há uma semana, encontremos entre 172 letras e partituras apenas sete composições inéditas. As demais são sucessos que vão desde os anos 30 ("Hino do Carnaval Brasileiro", 38, Lamartine Babo), "Periquitinho Verde" ("Nássara e Sá Roris, 37) até bissextos e marchas que se destacaram nos anos 60.
- "Reconheço que são álbuns da saudade", diz o simpático Francisco Adamo, do escritório local do ECAD, lamentando ter recebido apenas dez colocações de partituras , insuficientes para distribuir aos maestros de conjuntos e orquestras de todo o Paraná. Embora em Curitiba apenas 15 clubes tenham programado bailes carnavalescos, seria necessário maior número de partituras para divulgar ao menos as novas músicas carnavalescas.
Estas, entretanto, dificilmente serão cantadas nos salões - pois com exceção de "Se o dele tá roxo" (Manoel Ferreira e Ruth Amaral), gravada por Sérgio Mallandro - e que tem a vantagem de ser divulgada no programa da Xuxa - as outras cinco marchinhas, e uma marcha rancho estão praticamente inéditas. As gravações sairam por selos fantasmas, sem qualquer divulgação (o que pouco adiantaria, já que as nossas emissoras ignoram a música de Carnaval) e inexistem nas lojas de discos (*). Edson Bag, 29 anos, proprietário da loja Sartori, aliás, é descrente com a música de carnaval.
- "Não consegui vender nem os 6 exemplares dos sambas-de-enredo do grupo especial do Rio de janeiro, que editados pela Baclay, com toda a promoção da televisão, não interessou os curitibanos". Barg foi um dos únicos lojistas de Curitiba a adquirir este disco - que "para não estocar, estou oferecendo ao preço de custo, Cr$ 10.500,00" anunciava na quinta-feira. Outros discos de samba-de-enredo que, possam ter sido editados nem [chegaram] às lojas de Curitiba.
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A pobreza carnavalesca é tamanha que o catálogo do grupo Editorial Vitale, com repertório também das editoras Graúna, Gembra e Renascença, chegou a incluir um dos temas mais jazzísticos da Bossa Nova - "Estamos Aí" (Maurício Einhorn/ Durval Ferreira, 1962), que se tornou prefixo, no estilo scat (canto sem letra) de Leny Andrade, que só agora, aos 49 anos, está sendo reconhecida (atualmente faz grande sucesso em Nova York). "Estamos Aí" consta do catálogo da Vitale não apenas como "samba carnavalesco" mas é destacado "lançamento para o carnaval de 1992". Só pode ser piada de salão...
Nota
(*) A exceção é "Pepino Roxo", música que dá título ao elepê de Eron Vianna, lançada em elepê da Chorroró Discos. Em Curitiba, a cadeia de lojas Love Sons está vendendo este elepê.
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