Igreja e cinema, um tema a ser examinado
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de agosto de 1990
Aos fãs de Alfred Hitchcook (1899-1980), ao menos um aspecto da trama desenvolvida por Anthony Shaffer em "Absolvição" lembrará um dos melhores clássicos do chamado mestre do suspense: o segredo da confissão. Assim como o sacerdote interpretado por Montgomery Cliff em "A Tortura do Silêncio" (I Confess, 1952), para não romper o voto do segredo da confissão acaba sendo envolvido num assassinato, também o padre Goddard (Richard Burton) neste "Absolvição" é, praticamente, levado ao crime devido a não poder denunciar o que ouviu no confessionário de um dos seus alunos.
Os conflitos de sacerdotes em crimes têm sido tema para dezenas de filmes, nem sempre resultando em obras convincentes - embora existam alguns momentos de emoção. Seria interessante que o ex-seminarista Francisco Alves dos Santos, responsável pela programação da Cinemateca, voltasse aos seus tempos de fé e organizasse um ciclo com obras representativas daquilo que se poderia chamar de "o sacerdote no cinema". Afinal, em cópias 16mm/35mm junto a Cinemateca do Rio e São Paulo - e mesmo alguns vídeos - é possível montar uma mostra desde o ingênuo e bem intencionado sacerdote nova-iorquino como o que Humphrey Bogart (1899-1957) interpretava em "Anjos da Cara Suja" (Angels with Dirty Faces), tentando salvar jovens marginalizados do crime nas ruas, à visão paradisíaca que identificou um ator-cantor como Bing Crosby (1904-1977) em ternos momentos de "Os Sinos de Santa Maria" (1945) ou, aos 22 anos, o traria novamente na batina em "Robin Wood de Chicago" (1962).
Só que os tempos haviam mudado: ao invés da companhia de Ingrid Bergman no auge de sua beleza em "The Bells of St. Mary's", dirigida por Leo McCarey, em "Robin and the 7 Wood", a barra era pesada - com a então famosa gang sinatreana - Frank, Dean, Martin, Sammy Davis Jr., Joey Bishop, etc.
Entretanto, nem só de idealistas se tem um cinema com personagens religiosas. O vienense-americano Otto Preminger (1906-1986) em "O Cardeal" (1963) foi fundo numa temática corajosa - a luta pelo poder nos bastidores do Vaticano, o que animaria outros cineastas a se voltarem a discutir, com maior ou menor profundidade, os conflitos da fé e da religião. Mas nisto, ninguém fez melhor do que os europeus, com mais de uma dezena de obras nas quais a Igreja - e os homens (e mulheres) que a integram em seus conflitos humanos e que, longe de serem vistos como obras sacrilégicas, mostram, isto sim, a grandeza da fé. Da possessão demoníaca de "Madre Joana dos Anjos" do polonês Jerzy Kawaerowicz ao sacerdote em crise de "Sob o Sol de Satã", de Maurice Pialat - baseado no romance de George Bernanos (um católico que por várias vezes discutiu a questão religiosa e ofereceu a Robert Bresson o argumento para o seu clássico "Diário de um Cura de Aldeia" (Le Journal d'Un Curé de Campagne, 1950), há todo um arsenal visual para, em imagens (e palavras) mostrar (também) no cinema que as tentações do Diabo - em seus variados simbolismos - desafiam os sacerdotes através dos tempo.
"Absolvição" ao trazer o duro sacerdote inglês, em sua crise humana e que leva a um final trágico, insere o padre Goddard nesta galeria.
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