Jazz sem fronteiras que a Imagem está revelando
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de abril de 1973
Para um curso-seminario sobre jazz, que programamos para ser realizado ainda este ano no Teatro do Paiol, um dos conferencistas convidados será um homem chamado fora das circulos da Guanabar mas que há mais de 20 anos vem realizando um trabalho dos mais importantes para a divulgação do Jazz em nosso País. Primeiro como radialista e homem de televisão, depois como produtor de algumas gravadoras, passando pelo setor comercial, com lojas especializadas, Jonas vem impulsionando uma pequena gravadora, que se pode orgular de todos seus lançamentos. Sem afastar-se um milimetro siquer da linha estabelecida por Jonas, a Imagem tem colocado na praça alguns dos melhores álbuns de musica sinfonica e jazzistica, intercalando também com lançamento de interesses folclorico, alem de trilhas sonoras. Diariamente, em nossa coluna no 2.o O ESTADO temos registrado os lançamentos eruditos da Imagem, reservando para este domingo uma informação mais ampla sobre cinco de seus últimos lançamentos no campo jazzistico, todos da maior importancia num país em que os discos deste genero não chegam a duas dezenas em cada ano.
SARAH VAUGHAN
Em outubro do ano passado, a Imagem repetiu o que já havia feito em 1970, quando da primeira vinda ao Brasil da cantora Sarah Vaugham: colocou no hall do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde a vocalista fez duas memoraveis apresentações, um capricha do lp, reunindo 12 das melhores interpretações da grande cantora, norte-americana: << Don`t Blame Me >> , << Ehat A Different Day Made >>, << I`ve Got a Crush Of You >> , << It`s Magic >>, << The One I Love Belongs To Somebody Else >> , << A Hundres Uears From Today >> , << Tenderly >>, << I Feel So Smoochic >> , << I Gan`t Get Started >> , << September Song >> e << Love Me Or Leave Me >>. Sem serem os classicos do jazz dos anos 50, estes numeros são bastante enriquecidos na voz vigorosa de miss Vaugham, uma cantora que desde 1939 vem colecionando elogios em todos os locais que tem se apresentado. A sua voz é completamente doferente de Billie Holiday, Ella Fitzgerald ou qualquer outras das grandes estilistas de jazz: tem a sonoridade rica, controlada, com uma lata dose de emotividade. Isto a faz ter um lugar especial entre as grandes Damas da canção americana. Aos 47 anos, 33 de carreira artistica, quase 100 lps gravados, Sarah é a mais jovem de todas as grandes interpretes jazzisticas americanas, formadas nas decadas de 40. Um álbum indispensável aos seus fãs. Imagem, 5024, outubro/72.
EM MEMORIA DE LOUIS ARMSTRONG
Há dois anos, 6 de julho de 1971, dois dias após ter completado 71 anos, Louis Armstrong falecido, após uma grave enfermidade. Em todo o mundo, junto com os necrologicos e cronistas saudosas, editoras apresentam-se a reeditar seus discos, o que, ao menos em nosso País, foi bom para os fãs de jazz: muitos discos de << Satchmo >> esgotado há anos, voltaram a aparecer nas lojas, permitindo a uma nova geraçao conhecer alguns dos melhores momentos de sua longa e respeitavel carreira. Agora, pela Imagem, temos << In Memoriam >> (5025), onde o grande pistonista cantor e compositor aparece ao lado de alguns dos melhores instrumentistas que o acompanharam em sua carreira: Jack Teagarden, Buddy Cele, Perry Botkim, Nick Fatool, Joe Venuti, Bobby Hackett, Peanuts Hucko, Barney Biagrd, Eard Himes, Sid Catlett , Red, Nichels, Pever Wee Russell, Eddie Condon, John Scott Trotter e Jud Comlon Rhythmaires. A seleção musical não poderia ser das mais felizes: << Someday >>, << Heebee Jeebies >> , << I Can`t Give You Anuthing But Love >> , << Muskaret Rample >> , << Dear Old Southalnd >> , << Lucky Old Sun, << Blanc And Blue >> , << Panama >> , Royal Garden Blues >> e Chinatown my Chimatown >>, Lamentavel apenas que a Imagem, tão cuidadosa em suas notas de contracapa, tenha dedicado o espaço a um bom texto de Lee Palmer sobre a vida de armstrong, mas nào tenha colocado as datas de cada uma destas gravações. De qualquer forma um album importante para quem admira o grande satchmo.
THE HAWK SWINGS
Coleman Hawkins (1904-1969) foi um dos raros musicos que granjearam o respeito e admiração unanime na história do jazz: desde o inicio da sua carteira, em 1922, até a sua morte, em maio de 1969, << Bean >> -como foi apelidado - teve 47 longos anos de interrupção atividade, graças a sua onvejável vitalidade e enorme vontade de tocar. Como acentuou o crítico carioca José Domingos Raffaelli, << ele criou o estilo do saxofone no jazz - transformando-o num instrumento importante numa epoca em que era apenas considerado um instrumento << curioso >> - e, possuindo excepicional inventiva, evoluiu constantemente. Em suas mãos o saxofone tenor transformou-se no instrumento mais popular do jazz. Seu estilo é extremamente pessoal e sua sonoridade é mascula e ecpressiva, com timbre a vibrato pronunciados. Ele soube compreender e absorver todos os novos movimentos surgindo no jazz (sempre incorporando ao seu estilo novos elementos no fraseado e novas concepções, sem nunca alterar o seu individualismo >>.
Hawkins tornou-se muito conhecido depois de integrar a orquestra da Fletcher << Smack >> Henderson, a partir de 1923. Durante os 10 anos com << Smack >> influenciou decisivamente todos os saxofonistas; foi tão grande o fascinio que exerceu sobre os musicos, que muitos não saxofonistas converteram-se ao instrumento, tornando-se admiradores fanaticos de Hawkins. Já sendo um dos maiores musicos de jazz, e no auge da popularidade, surpreendeu a todos ao deixar Henderson, e viajando para a Europa em 1934, onde percorreu inumeros países e influenciando muitos musicos, para afinal regressar em julho de 1939. Formou seu proprio conjunto, atuando no Clube Kelly stables, e em outubro de 39 gravou o famoso << Body and Soul >>, considerando um dos maiores solos da históri do jazz.
Tendo sempre a opinião de que a jazz nunca poderia parar e sempre deveria progredir, tornou-se um admirável do bop e seus musicos, com alguns dos quais passou a tocar, e por seus conjuntos passaram boppers genuinos Dizzy Gilspie, Thelonious Monk e haward McGhee, Hawk não se entusiasmou-se com o bop, como aderiu ao mesmo, liberando inclusive a primeira sessão da gravação do estilo em 1944. Tocando com os modernistas da epoca quebrou varios tabus e preconceitos, quando mais acaloradas e interminaveis eram as polemicas sobre o bop. Em 1945 liderou varios combos da outrora famosa rua 52, e no ano seguinte passou a fazer parte do jazz At Philarmonic, de Norman Granz, quando atuou ao lado do imortal Charlie Parker.
A partir de 1950 excursionou dezenas de vezes ao Exterior, vindo ao Brasil em julho de 1961 com o American Jazz Festival (álbum gravado durante apresentação no Teatro Municipal do Rio de janeiro, editado pela Imagem). Em << The Hawk Swings >> (Imagem-United Records, 5037, stereo), temos Hawkins, acompanhado por Thad Jones (piston), Eddie Costa (piano & vibrafone), George Duvivier (contrabaixo) e Osie Johnson (bateria), em cinco numeros históricos: << Bean in Orbit >> , << After Midnight >>, << Hassle >>, << Moodsville >> e << Stalking >>.
BRUBECK & DESMOND
A popularidade de Dave Brubeck e seu conjunto - em todo mundo - é um fenomeno dentro do jazz. O celebre pianista - a partir de 1954 - começou a conquistar o público, executando velhos temas standards dando-lhes novos aspectos na forma melódica, que o saxofonista alto Paul Desmond embelezava, rebuscando novos contornos liricos em dua linha uma marca característica de seu estilo. Americano da California, 53 anos - hoje dedicando-se mais a composição do que apresentação publicas -David. W. Brubeck aprendeu piano com sua mãe, aos 4 anos de idade e aos 13 já tocava em pequenos conjuntos locais. Durante 41-42 liderou uma orquestra de 12 músicos no Pacific College, onde estudava. Tranferiu-se para o Mills College, em Oakland, para estudar composição com Darius Milhaud, que influenciou-o fundamentalmente com suas teorias musicais. Durante a época que prestou serviço militar continuou estudando composição, desta vez com Arnold Schoenberg. Em 1944, ainda nas forças armadas americanas, liderou uma orquestra militar na Europa. Ao dar baixa continuou seus estudos com Milhaud, e também fez um curso de piano com Fred Saatman. Em 1946 organizou um octeto de caracter experimental com o qual gravou em 48 uma serie de discos audaciosos e provocantes pela harmonia contraponto e arranjos inusitados. Em 49 organizou um trio e, finalmente, em 51, formou seu primeiro quarteto com Paul desmonds, que mais tarde tornou-se mundialmente famoso. É desta fase (51-53) que surgiu << Moods & Grooves >> (Imagem-5053 Custom Collector`s Series-Stereo), em que no lado um, o quarteto de Brubeck apresenta << At A Perfume counter >>, uma longa interpretação, na qual é ressaltado o aspecto essencialmente melódico do grupo, e particularmente Desmond, cujo solo é calcado sobre inumeros motivos do tema, << ornamentando-o e desdobrando-o numa sucessão de cloruses, segundo de Brubeck, em outro longo solo, resumindo as suas idéias em variações altamente pessoais >>, como acentuou o experte Leonard Feasther. Dave e Paul demonstram nesta faixa as afinidades que o caracterizava.
No outro lado do disco, temos duas interpretações gravadas em entusdio (<< At A Perfume >> foi gravada ao vivo, numa apresentação pública). A primeira, << Byons >>, é uma versão efervencente do grupo, onde alto e piano dividem os choruses improvisados. Após o solo de Brubeck há uma série de variações arranjadas, na qual ouvimos uma música que tornou-se popular no Brasil, há cerca de 30 anos: << Já vai, Meu Bem, Já vai >>.
O número final, um blues intitulado << purple Moon >>, mostra Paul Desmond improvisando o tradicional tema de 12 compassos de uma maneira pessoal e sem maiores influencias de outros músicos.
Um ábum com Paul desmond e dave Brubeck não é coisa que se ache todos os dias. Por isto, aqui a recomendação.
OS NOVATOS (entre nós)
Felizmente Jonas Silva não fica nas edições de lps de nomes consagrados. Sabe dar uma justa oportunidade aos nomes ainda não consagrados do desinformado público brasileiro embora há muitos consagrados nos EUA. E` o caso do grupo de Warner Marsh (sax tenor), Gary Foster (sax-alto), Dave Parlato (contrabaixo) e John Tirabusso (bateria), que numa gravação de outubro-69, mostram os novos caminhos do jazz nos EUA: << You Steepend Out Of Lream >> , << Lennie`s Pennies >> (Lennie Tristano), << 317 e 32ND2(Idem), << Subconcious-Lee >> (Lee Konitz) e << Touch And Go >> (criação coletiva do quarteto).
Na história do jazz vários músicos foram conciderandos << originais >> por seus estilos, mas apenas alguns criaram um idioma inteiramente pessoal como Lenntine Tristano (Leonard Joseph Tristano 1919). Dentre os músicos menos apreciados nas últimas décadas, no jazz sem dúvida alguma estão incluidos Triastano e seus discípulos pois jamais receberam a atenção e o reconhecimento que merecem, possivelmente por executarem uma forma de jazz de assimilação mais difícil. Tristano criou uma escola na qual a tinalidade o emprego frequente de acordes substitutos, os desenvolvimentos intrincados do contraponto, o uso de frases que variam a sua duração dentro do << chorus >>, m'todo complexo e imprevisivel da acentuação, a execução em tempos diferentes do tradicional 4/4/ sobre uma marcação 4/4, além de uma série de artifícios audaciosos, fazem com que os seus iscos ainda hoje sejam realmente de vanguarda, e tudo isso começou há mais de um quarto de século. Odis dos mais conhecidos discípulos de Tristano foram Lee Konitz e warner Marion Marsh, 45 anos, tendo estudado acordeão, clarene sax alto e sax tenor, em 1944 já tocava num conjunto conhecido como Hollywood Canteen Kids. Conheceu trsitano em julho de 1947, quando prestava serviço militar. Ao dar baixo do Exércicio tocou em Los Angeles e excursionou 4 meses com Buddy Rich. Radicou-se em outubro de 1948 em Nova Iorque , com o propósito de estudar e tocar com Tristano. Regressou a os angeles em 1956, quando formou seu próprio quinteto. Em fins de 57 voltou a Nova Iorque, ali permanecendo até 1967, quando voltou aoutra vez a Costa Oeste dos EUA, tocando ocasionalmente com Clara Fischer.
Warner Marsh é uma raridade - um artísta consumado, totalmente dedicado a sua música, sem compromissoa artísticos que o afastem dela, e enfrentando há longos anos uma adversidade, pela falta de oportunidade que a sua música não permitiu-lhe alcançar. Mas jamais perdeu a fé no seu idealismo musical, superando muitos anos de dificuldades com o mesmo entusiasmo e a mesma força de vontade, acreditando que algum dia a sua musica será devidamente apreciada. Em << Ne Plus Ultra >>, o público brasileiro tem uma rara oportunidade de ouvir, pela primeira vez em nosso País, um disco da escola de Tristano, relegada à um plano totalmente secundário mas não menos importante da qual Marsh é uma de suas grandes figuras.
FOTO LEGENDA- Warne Marsh Ne Plus Ultra
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