Afinal, Shirley Horn chega com seu jazz em nosso País
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de outubro de 1991
Ao lado de nomes consagrados - Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Billie Holliday e alguns outros que regularmente têm seus álbuns editados no Brasil (de Lady Day, a Sony está lançando a série Quintaessencial, já com oito volumes em vinil/CD/cromo) - há toda uma geração de excelentes cantoras de jazz que nunca tiveram uma única faixa editada entre nós. Quem por exemplo já ouviu Nellie Lutcher, 76 anos, pianista e cantora, mais de 50 de carreira e que vive há anos em Los Angeles? Admirável artista, da época das big bands é adorada por expertos como Hermínio Bello de Carvalho mas nunca teve um único disco editado entre nós. Muitos outros exemplos poderiam ser lembrados, numa lista que prova que apesar de tudo que se tem lançado em jazz no Brasil, nestes últimos 10 anos, ainda continuamos numa posição de ignorância - frente a qualidade que, longe de esquemas de consumo, permanece praticamente inédita (*).
Por isto, quando uma gravadora como a Polygram traz uma cantora notável como Shirley Horn, o fato deve ser saudado com todo entusiasmo.
Esta americana de Washington DC, 57 anos completados dia 1º de maio último, 48 anos de carreira (sim, começou aos 9 anos), é uma cantora magnífica, mas que, como a grande Alberta Hunter (1895-1984), interrompeu voluntariamente por anos sua carreira. Se Alberto o fez para se dedicar à sua mãe - só retornando, já octogenária, aos palcos, Shirley se afastou dos palcos para se dedicar a sua filha, Rainy. Só há 3 anos voltou, quando a Verve, de Norman Granz, lhe deu chances de fazer uma volta auspiciosa.
E é pela Verve, com seu terceiro álbum desta nova fase, lançado nos EUA no início do ano - "You Wan't Forget Me" - e já considerado um dos discos do ano - que os brasileiro podem agora melhor conhecê-lo. É como diz o título, ninguém o esquecerá.
Um pouco de sua biografia: menina prodígio, aos 4 já tocava piano e aos 12 estava na Howard University estudando composição. Seis anos depois conquistava uma bolsa para a Juilliard de Nova York - mas que não chegou a concluir. Voltou para Washington e nos clubes de jazz da americana deslanchava sua carreira - mas como o pianista.
Em 1960, em Nova York, fazia o primeiro lp - "Embers and Ashes", lançado por um selo pequeno, distribuição limitada - um collector's item mesmo para colecionadores fanáticos. Miles Davis ouviu o disco e a levou para cantar em seu grupo no Village Vanguard - uma casa lendária em Greenwich Village e que tem agora como proprietária e brasileira Tania Maria, como Shirley, também uma pianista e cantora de jazz - há anos residindo nos EUA.
A estrela de Shirley brilhou, gravando com Quincy Jones e Jimmi Jones e participando de trilhas sonoras de filmes "For Love of Ivy" (estrelado por Stanley Poitier) e "A Dancy in Aspic".
Nascia então a filha e praticamente interrompeu sua carreira. Mas, em 1981, Paul Adouet, conseguiu levá-lo para o Festival de Jazz do Mar do Norte, na Holanda. Rainy cresceu, casou (já lhe deu três netos) e Shirley Jorn retornou à estrada com um trio - baixista Charles Ables e percussionista Steve Williams, apresentando-se no Michael's Pub, o bar nova-iorquino que é superfrequentado às segundas-feiras pois Woody Allen ali aparece para tocar clarinete.
Nestes últimos três anos, Shirley Horn tem trabalhado muito: três elepês, um tributo a Billie Holliday no Lincoln Center, temporada no Blue Note, em Tóquio, festivais de jazz na Europa e afora sua estréia no filme "Tune in Tomorrow", comédia baseada em romance de Mário Vargas Llhosa - onde canta "I Can't Get Started", apoiada por Wynton Marsalis (o elepê com a trilha sonora foi lançada há pouco pela Sony). Na França, a Academia de Jazz deu a "Clouse Enough for Love" o prix Billie Holliday, como melhor álbum vocal.
O canto de Shirley é suave, melífluo, sentido - o que a identifica com a Lady Day. Acompanhando-se ao piano, Horn é uma criadora de climas - como disse o crítico John Wilson da High Fidelity.
Neste extraordinário "You Won't Forget Me" seguramente o melhor álbum de jazz vocal do ano - Shirley vem acompanhado por Charles Ables (baixo) e Steve Williams (bateria) e, como solistas convidados, desfilam nada menos que Miles Davis, Buck Hil (sax tenor), Brandford e Wynton Marsalis e o belga Toots Thielmans (harmônica e guitarra), além do baixista Buster Williams e baterista Billy Hart.
Um repertório de 14 músicas escolhidas a dedo - como "Beautiful Love" de Gillespie; "Come Back to Me" e "Too Late Now" de Burton Lane/Alan Jay Lerner; "All My Tomorrow" (Jimmy van Heusen/Sammy Cahn) fazem com que "You Wan't Forget Me" seja, realmente um disco para não se esquecer. É se esperar que logo a Fátima Figueiredo, com sua competência na direção da área de jazz e clássicos da Polygram, lance os álbuns anteriores de Shirley - 'I Thought About You" e "Close Enough for Love".
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Nina Simone (Eunice Waymon, Tryon, Carolina do Norte, 21/2/33) não chega a ser uma cantora desconhecida no Brasil. Tem um público fiel que aprecia seu estilo forte, vigoroso - o oposto da suavidade de uma Shirley Horn, por exemplo. Mulher de gênio difícil - que o digam os empresários que com ela têm trabalhado - ligado algumas vezes a causas políticas, tem uma carreira de origens religiosas - filha de uma família metodista, aos 10 anos já cantava ao lado do irmão Samuel, que seria seu produtor-manager até 1984. Passou pela Julliard e em 1959, com uma versão de "I Loves You Porgy", de "Porgy & Bess" já entrava entre as cantoras de maior aceitação.
Cantora eclética - blues, jazz, folk, gospel - se integraria a música negra (a ativista Mirian Makeba é uma de suas melhores amigas) e em 1984, no Ronnie's Scott - a melhor casa de jazz da Inglaterra - teria uma temporada histórica.
"Don't Let Me Be Misunderstood", lançado pela Mercury/Polygram apenas em CD, é uma excelente demonstração da versatilidade de Billie, com uma montagem de gravações feitas entre 1964/67 que inclui clássicos como "Strange Fruit" (um dos standards de Billy Holliday), "Don't Explain" (outro clássico de Lady Day), "Wild is the Wind" (Ned Washington/Tiomkim), "Ne me Quites Pas" (Kosmas/Brel), "Little Girl Blues" (Rodgers/Hart), "I Loves You, Porgy" (Gershwin), além de suas próprias composições como "Mississipi, godman" e "Come Ye".
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