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Aramis

Billie, Dinah e Nina, grandes vozes do jazz

Durante (muitos) anos nomes lendários do jazz permaneciam praticamente inéditos em termos auditivos (que, afinal, é o mais importante). Citados em livros, enciclopédias, estudos, não tinham, entretanto, um único elepê lançado comercialmente no Brasil - e só colecionadoras abonados financeiramente podiam recorrer às gravações importadas. Felizmente, nos últimos 10 anos, a partir do São Paulo-Montreaux Festival, a situação começou a melhorar. Embora ainda de forma tímida, as edições do melhor jazz aumentaram e no ano passado, especialmente estimulados pelo sucesso que foi a terceira edição do Free Jazz Festival, organizada pela Dueto Promoções e patrocinada pela Souza Cruz, a CBS, Odeon, Polygram e Imagem fizeram quase uma centena de edições. Entre tantos (e ótimos) lançamentos, particularmente importantes as edições de álbuns de três das melhores cantoras americanas de todos os tempos: Billie Holiday (1915-1959), Dinah Washington (Ruth Jones, 1924-1963) e Nina Simone (Eunice Waymon, Tryon, Carolina do Norte, 21/12/1923). Das três, Billie é hoje a mais conhecida. Se em 1972, quando Sidney J. Furie realizou seu filme biográfico "O Ocaso de uma Estrela" (Lady Sings the Blues), que valeu a Diana Ross a indicação ao Oscar de melhor atriz (perdendo para Liza Minelli por "Cabaret", de Bob Fosse), seus discos inexistiam ainda em nosso mercado, hoje já há uma razoável discografia de "Lady Day" (como era chamada nos anos de ouro), embora, evidentemente, muito ainda exista para ser editado - pois apesar de sua vida trágica (tão bem relatada em sua autobiografia "The Lady Sings the Blues", lançada no Brasil há 3 anos pela Brasiliense), Billie gravou muito. E dois de seus melhores álbuns foram incluídos no ano passado pela CBS na coleção "Columbia Jazz Masterpieces" - os volumes 1 (1933-35) e 2 (1936) de "The Quintessential Billie Holiday". Depois de sair das sarjetas de Baltimore e começar a ganhar a vida cantando em cabarés, Billie foi descoberta por John Hammond e em 27/11/1933, com a orquestra de Benny Goodman registrava "Your Mother's Son-in-law", iniciando uma carreira fonográfica que só terminaria 26 anos depois. Nestes dois álbuns, de seus três primeiros anos de carreira, temos Billie com músicas que seriam incorporadas definitivamente ao seu repertório como "These Foolish Things", "A Fine Romance" e "Easy to Love", para só citar três exemplos maiores. Acompanhada por músicos como o pianista Teddy Wilson, trompetista Roy Eldridge, saxofonista Ben Webster e Johnny Hodges, clarinetistas como Artie Shaw e Benny Goodman, "Lady Day" deixou gravações eternas - que justificam o fato de "The Quintessential Billie Holiday" ter sido incluído como um dos eventos jazzísticos do ano que passou. Morta no auge de sua carreira, vítima de um ataque cardíaco, em Detroit, a 14 de Novembro de 1963, Dinah Washington terá seu nome eternamente identificado a "Manhattan" (Rodgers / Hammerstein), canção que ainda recentemente (1981) Paulo Mazursky tão bem aproveitou no encerramento de seu filme "Tempestade". Começando como vocalista da orquestra de Lionel Hampton (1943/1946), Dinah tornou-se um grande nome a partir das primeiras gravações feitas na Keynote ("Evil Gal Blues", "Salty Papa Blues") e seu timbre excepcional, fraseado, a fariam uma das grandes cantoras dos anos 50/60 - posição em que se manteria se não tivesse morrido tão jovem. A Polygram, trouxe dois álbuns excelentes de Dinah: "What a Difference a Day Makes!" (Mercury), no qual além desta clássica canção de Grever / Adams, desfilam outras jóias como "I Remember You", "That's all There is to That", "Cry is to That", "Cry me a Rier" (que outra vocalista, Julie London, também gravou de forma maravilhosa), "It's Magic" e, naturalmente, "Manhattan". Em outro registro ("Dinah Jams"), temos a grande cantora de forma ainda mais intimista, com um pequeno conjunto de cobras - Cliffor Brown, Maynard Ferguson e Clark Terry nos pistões, Max Roach na bateria, Harold Lund no sax tenor, entre outros, interpretando "Summertime", "Alone Together", "Come Rain or come Shine" e "You've got to My Head", de forma definitiva. Irascível, difícil, temperamental, Nina Simone sempre transitou descompromissadamente pelo jazz, soul e pop e como disse Lopes Dantas ("JT", 02/12/87), "devido a esta metamorfose camaleônica, a grã-sacerdotisa do soul" dispõe de um repertório que agrada a negros e caucasianos. No disco "Let it Be Mine" (gravado no Vine St. Bar & Grill, edição Verve / Polygram), há dois momentos bem definidos: o blues e o soul no lado A e o gospel no lado B. Nina exibe também suas qualidades pianísticas e sua bela voz de contralto e ao ouvirmos a eufemística canção "Sugar in my Bowl" e a onomatopaica "Be my Husband" (em que as palmas reverberam como açoites), "percebemos que tanto o seu engajamento político de líder ativista, quando o emocional, estão presentes no pathos musical", como disse o inteligente review de Lopes Dantas. A quem se interessa pela grande música de Billie Holiday, mais uma dica: "Songs for Distingue Lovers", lançado pela Polygram, mostra numa fase bem mais sofrida de Lady Day: gravado em janeiro de 1957, dois anos antes de sua morte, já estava consumida pelas drogas e pela solidão, mas assim mesmo esbanjava categoria em standards do repertório jazzístico como "Day in, Day out" (Mercer / Bloom), "A Foggy Day" (George e Ira Gershwin) e "Just one of Those Things" (Porter). Finalmente, uma cantora ainda pouco conhecida no Brasil: Marlena Shaw, em "It is Love" (também gravado ao vivo no Vine St. Bar & Grill), interpreta desde blues consagrados por Bessie Smith ("Nobody Knows You When You're Down and Out") até o clássico "It Might as Well be Spring" (Rodgers / Hammerstein). Marlena Shaw pode ser nova em termos fonográficos no Brasil, mas tem anos de estrada. Inclusive cinco anos como crooner da orquestra de Count Basie (1904-1985). Precisaria escola melhor?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
18
17/01/1988

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