Login do usuário

Aramis

Lá, como cá, como ali...

Bastaria uma seqüência de "Uma Mulher Descasada" (Cine Astor) para justificar o prêmio de mulher atriz a Jill Clayburgh no Festival de Cannes-78 e a tremenda injustiça que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, mais uma vez, cometeu, ao preferir dar (pela 2.ª vez) o Oscar de melhor atriz-78 a Jane Fonda (por "Amargo Regresso", de Hall Ashby): os 115 segundos que se sucedem a revelação do marido, Martin (Michael Murphy) de que há um ano já tem uma amante, Márcia, e que deseja se separar. Martin faz a revelação após um almoço numa lanchonete e emociona-se lágrimas. Erica (Jill), a esposa, recebe a notícia com surpresa, tristeza - e um big-close up coloca seu rosto na tela em cinesmascope. Para nós, só esta seqüência já torna supérfluas quaisquer outras discussões a respeito da justiça com que precedeu o júri de Cannes em 78 e a injustiça feita pelos membros da Academia de Hollywood, em abril último. E também bastaria apenas ver "Na Unmarried Woman" sobre qualquer um dos 10 (ou 20) aspectos que pode justificar as mais demoradas análises para que também se saiba de que ao ser indicado ao Oscar de melhor filme-78 e perder para "O Franco-Atirador" (The Deer Hunter, de Michael Cimino, estréia amanhã no Cine Vitória), somente critérios positivos - afinal a extirpação dos crimes de guerra do Vietnã entrou em moda no cinema americano - pode justificar que este sexto longa-metragem de Paul Mazursky não tenha levado o prêmio máximo na maior festa da indústria cinematográfica americana. Por coincidência os dois mais importantes filmes que disputam (e perderam) o Oscar, em várias categorias, na festa deste ano, estão em exibição na cidade - "Interiores" (Interiors, 78, de Woody Allen, em reprise no Bristol) e, desde quinta-feira, "Uma Mulher Descasada ", possibilitando que mais do que simples registro de jornais, o próprio espectador consciente, sensível e inteligente possa checar uma nova realidade de um cinema cada vez mais corajoso e profundo que se faz final de década. Realmente, "Interiores" e "Uma Mulher Descasada" se integram - embora seus cineastas nada tenham em comum e sejam obras personalíssimas. Apenas assim como "Amargo Regresso" e "O Franco-Atirador" tem a guerra do Vietnã e suas conseqüências como temáticas central, tanto Allen como Marursky preferiam analisar as relações humanas/conjugais, quando desfeita, na sociedade cada vez mais neurótica (neurotizante) e solitária de nossos dias. Em "Interiores", a decisão de um idoso senhor (Ed Begley), 63 anos, em abandonar sua esposa, Eve (Geraldine Page) - e os reflexos desta separação em relação as suas três filhas. - Foi vista de um plano íntimo e interior, através de uma criação plasticamente tão bela (em cenografia e fotografia) quanto o conteúdo humano do roteiro e direção de Allen, que mostrou neste seu "intermezzo" entre a sátira, já cortante do esfacelamento amoroso de "Annie Hall" e a quebra total no ainda inédito "Manhattan", toda sua carga de artista sensível, como poucos aqueles que é, talvez, o mais universal e atual dos temas de nossos dias: a solidão de cada um. E se um homem identificado com um humor inteligente e verbal como o judeu-americano Allen foi extremamente feliz ao dissecar "os interiores" de seus personagens - uma família americana, seus problemas e a individualidade de cada um - Mazursky, 49 anos, que há 24 anos aparecia como ator numa pequena ponta num clássico do cinema americano - "Semente da Violência" (Blackboard Jungle, 1955, de Richard Brooks) - também conseguiu obter neste "Uma Mulher Descasada" um resultado que não pode merecer outra classificação senão de obra-prima. E se esta afirmação pode ser contestada e colocada em termos pessoais é importante lembrar que uma obra de arte & comunicação (e no caso, produto de uma industria comercial que obviamente visa lucros) é mais válida e importante na proporção em que é capaz de atingir o maior número possível de pessoas - e mostrar que dramas que se repetem ao nosso lado se transpõe em outras circunstâncias, a qualquer parte deste planeta. "Interiores" ou "Uma Mulher Descasada"- como vários outros filmes-marcos do cinema - tem justamente a grandeza da alma humana e por isto, em nosso entender, merecem a classificação de obras-primas em seu sentido de humanidade, de extensão de sentimentos e compreensão. Por várias ocasiões, temos procurado destacar o novo comportamento adotado por cineastas americanos em relação a colocação da mulher, como personagem principal, em filmes que, ao mesmo tempo que obtem grande êixo de público, também são irrepreensíveis como obras cinematográficas ("Julia" , de Fred Zinneman; "Três Mulheres" , de Altman; "Momento de Decisão", de Herbert Ross; "A Procura de Mr. Goodbar", de Brooks, entre outros) - e, mais uma vez se poderia lembrar tais fitas. Como na natureza, também no cinema, tudo se transformar, e ao escrever um roteiro de uma mulher, Erica, 36 anos, bela sensual e inteligente, que, de um momento para outro, é abandonada pelo marido, Michael, corretor da bolsa de valores, apaixonado por uma jovem de 22 anos, Márcia (que aparece em nenhuma seqüência) por certo que Mazunsky não trouxe nenhuma idéia inédita. Ao contrário, por uma daquelas estranhas coincidência, o nosso bom amigo Francisco Jr., que há 3 anos realizou a magnifica transposição da peça "A Flor da Pele", de Consuelo de Castro, ao cinema, ao assistir "Na Unmarried Woman", em París, há 6 meses passados, decidiu refazer todo o roteiro de seu novo filme - "Paula". Simplesmente porque saindo de um casamento frustado, havia escrito uma estória em que também procurava mostrar os conflitos de seres humanos que se sentem só na busca do amor e assim como no final do filme, Mazursky, dedica seu filme "for Besty", ele também queria (e que) dedicar "Paula" a uma mulher. Há 7 anos passados, o diretor Mel Stusrt, pouco conhecido mesmo dos mais aficionados do cinema, diretor de comédia tamanho família tipo "Enquanto Viverem as Ilusões", "Seu Caso Era Mulher" e "A Fantástica Fábrica de Chocolate", surpreendia com "Esposas Abandonadas" ( One Is A Lonely Number, 1972, MGM). Com um roteiro de David Seltzer, de um argumento de Rebeca Morris e embalado em bela trilha sonora de Michel Legrand, "Esposas Abandonadas" contava a tragetória de Any Brower (Thish Van Devere), que ao ser abandonado pelo marido, James (Paul Jenkins), cai em depressão e é ajudada pela amiga, Madge (jane Elliot), que a apresenta à líder feminista Gert Meredith (Janet Leight). Sob influência desta, arranja emprego de salva-vidas numa piscina pública e seu isolamento social é rompido quando conhece o cativante Howard Carpenter (Monte Markham). O relacionamento não é bem conduzido, mas após uma crise terrível, Amy (re) encontra-se consigo mesmo - e a última seqüência é de uma imensa simbólica: da piscina mais alta, ela dá um mergulho, liberta e confiante de que saberá nadar sem medo. O desenvolvimento que Mazursky deu ao seu "Uma Mulher Descasada" tem, obviamente, outra linha - mas os finais são semelhantes: tanto Amy como Erica, mulheres descasadas, terminam confiantes em si mesmo, superando a trauma da separação. Se Stuart, anteriormente (e posteriormente) a "One Is A Lonely Number"(que em 1974 incluímos em nossa relação dos 10 melhores filmes do ano) nunca havia se voltado a temática da solidão, dos encontros & desencontros do amor, Paul Mazursky, ao contrário, tem em sua curta - mas expressiva filmografia de 10 anos - procurado colocar em discussão a validade do casamento, a hipocrisia das convenções sociais, a partir de sua estréia em "Bob & Carol, Ted & Alice" (1969), primeiro filme a discutir o chamado sexo grupal, e que terminava com os casais se reencontrando, ao som de uma das mais belas músicas de Bacharach/Davi, "What The Wolrd Need Noww Is Love". O ocaso, de uma vida, mas sem dramas, ao contrário, visto com alegria e otimismo, permitiu ao ator Art Carney ter em "harry, o Amigo de Tonto", que Mazursky dirigiu em 74, o seu primeiro Oscar - e deixar de ser um ator apenas conhecido da Broadway e chegar a todo o mundo (aliás, ele vem ai, em ótima atuação, em "Um Viúvo Trapalhão", a partir de quinta-feira no Cine Condor - e cuja temática também envolve as dificuldades do relacionamento conjugal). São tantos - e tão estimulantes e fascinantes - os aspectos humanos, sociais e psicólogos que um filme como "Uma Mulher Descasada" oferece que, em absoluto, se esgotam num registro jornalístico. Ao contrário, como tantos outros filmes recentes, justificam reflexões e (re) visões capazes de fazer com que, cada um, aprenda um pouco mais sobre seu semelhante - ao ver um filme onde os personagens & a própria cidade (Nova Iorque, como poderia ser a São Paulo que Ramalho vai usar em seu "Paula", ou mesmo a nossa Curitiba) se integram / Entrelaçam-se - pois a condição humana - suas alegrias & tristezas, venturas & desventuras - não conhecem os limites políticos e geográficos. Na solidão de todos nós, Erica, que queria ser uma bailarina mas como a personagem de "Momento de Decisão" trocou as glórias do palco pelo lar (sic), de repente, entende que o relacionamento humano é tão frágil quanto uma pétala de orquídea, mas que há sempre a beleza de encontrar uma nova flor - e principalmente saber que ela é intensamente bela ao menos enquanto vive. Imagem que o poeta e amigo Vinícius já soube, tão bem usar em um de seus poemas. "Uma Mulher Descasada" pode voltar a merecer maiores registros. De momento, apenas fica uma recomendação: mais do que o melhor filme (com certeza) de todos os que forem exibidos neste 1979 em Curitiba, vale - e como - muito mais do que 10 caras sessões de psicanalise. E com muitos melhores resultados, cremos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
10/06/1979

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br