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Aramis

Lá como aqui (II)

Em "Alice Não Mora Mais Aqui" ( Alice Does`nt live here anymore, 74, de Martim Scorcese) cantor-ator Kris Kristofferson interpretava um personagem que seria uma espécie de identificação de um novo tipo de galã do cinema contemporâneo americano: másculo sem machismo, gentil e compreensivo, símbolo, antes de tudo da segurança. Esta idéia de personagem é que Paul Mazursky colocou no "Saul" (Alan Bates), o artista plástico onde Érica, "Uma Mulher Descasada" (cine Astor, 5 sessões: diárias) encontra mais do que um simples companheiro para dividir sua solidão, também a esperança de uma nova vida. Ator inglês lançado em filmes de John Schlesinger como "Longe Deste Insensato Mundo" (Far from the Madding Crowd, 1967) Bates compõs em "Na Unmarried Woman" um personagem perfeito - que complementa toda a magnifica criação que Paul Mazursky conseguiu dar a esta sua visão de um período na vida de uma mulher de 37 anos, que após 16 anos de casamento, fica sozinha - quando o marido, Martin (Michael Murphy) prefeito ir viver com uma jovem de 22 anos. O impressionante na sensibilidade com que Mazursky revela ao longo de todas as seqüências deste filme que concorreu ao Oscar de melhor filme de 78 (perdendo para "O Franco Atirador", de Michael Cimino, desde ontem no cine Vitória, 3 sessões diárias) é a visão profundamente feminina dada à questão. Em nenhum momento os personagens masculino são sequer tratados com maior atenção - e mesmo a simpatia que Saul merece, é unicamente em decorrência do ponto de relacionamento que se estabelece com Erica-Jill Clayburgh numa interpretação que lhe valeu o prêmio de melhor atriz em Cannes, no ano passado e que também deveria ter merecido o Oscar a qual concorreu. Nem uma mulher-diretora - como a francesa Agnes Vardá, que tentou também aprofundar um filme sobre separação de um casal ("As Duas Faces da Felicidade/Le Bonheur", 1965) conseguiu, de uma forma tão simples e objetiva, atingir o mais profundo dos sentimentos femininos: da primeira seqüência, quando Erica e Martin fazem cooper nas ruas de Nova Iorque, ao final ela carregando o imenso quadro que Saul lhe presenteou antes de partir para Vermont - não há um momento em que não exista uma colocação inteligente nos diálogos ou nas imagens. Se em "Interiores" (Cine Bristol, até amanhã, em reprise), Woody Allen preferiu as longas seqüências ao estilo que pode lembrar a Bergman, para colocar o vazio e inquietações de seus personagens, Mazursky, mostra neste seu sexto longa-metragem o mesmo ritmo dinâmico de "Harry e seu amigo Tonto" ou Próxima Parada: Bairro Boêmio", este também filmado principalmente nas ruas de Nova Iorque - cenários que se integram a história, num complemento que se pode ver, em termos sociológicos, como urbanísticamente perfeito a toda esquematização do roteiro. O ritmo dos diálogos também é ágil, irônico e mesmo com um sutil (embora inquietante) humor - em especial quando participa a filha do casal, Patti (Lisa Lucas, uma esplêndida revelação), 15 anos - mas uma visão tremendamente realista de nossos dias, do casamento e da solidão de cada um. Se em "Interiores", a personagem central - Eva (Geraldine Page) trabalha em decorações, a Erica do filme de Mazursky, trabalhando numa galeria de arte, proporciona que os cenários também utilizem quadros e esculturas de artistas como Chamberlain, Cottingham, Goings, Andy Varhol, Katzen, Jenkins e outros nomes notáveis das artes plásticas americanas - que oferece mais um, entre tantos, pontos de encanto, a visão indispensável. Na trilha sonora, Bill Conti - a grande revelação como compositor em "Rocky, Um Lutador" (1976), aproveitou, com perfeição, vários temas: desde "O Lago dos Cisnes" de Peter Ilytch Tchaikovzky (1840-1893) até uma das mais belas canções do repertório de Billie Holiday (1915-1959), na seqüência em que Érica e Saul, no apartamento dele, tem sua primeira noite de amor. Em filmes como "Uma Mulher Descasada" parece que todos os elementos se integram para um resultado perfeito - e onde a beleza plástica da fotografia (de Arthur Ornitiz), a montagem ajustada (de Suart Pappe), a trilha sonora perfeita de Bill Conti - somada a um elenco dos mais competentes - somente acrescentam a profundidade do roteiro e, especialmente, a contemporâneidade e sinceridade das idéias que o filme desenvolve - uma obra, que, sem dúvida, ficará entre os grandes momentos do cinema contemporâneo - e cuja emoção faz com que, mesmo os mais radicais inimigos do cinema americano, desde que conscientes, admitam que é possível fazer filmes industrialmente de bons resultados - mas com imensa carga de emoção, sinceridade - para atingir as pessoas de todo o mundo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
12/06/1979

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