Mangueira homenageia neste Carnaval o grande Dorival
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de fevereiro de 1986
Mangueira vê no céu dos orixás
O horizonte rosa, no verde do mar
A alvorada veste a fantasia
Pra exaltar Caymmi e a velha Bahia, ô, ô, ô
Hoje à noite - ou talvez já na madrugada desta segunda-feira de Carnaval, quando os milhares de integrantes do Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira entrarem no Sambódromo do Rio de Janeiro, cantando o samba-de-enredo "Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia e a Mangueira têm", o sorridente Dorival, baiano da Rua do Bengala (hoje Luís Gama) estará recebendo mais uma confirmação de quanto é estimado. Desde o dia 30 de abril de 1984 - quando completou seus 70 anos - este baiano maior da música brasileira vem merecendo todas as homenagens possíveis.
A homenagem agradou a Caymmi ao ponto dele, como não fazia há muitos anos, deixar o seu refúgio no Rio das Ostras e ficar no Rio de Janeiro para, em lugar de honra, assistir a passagem da Mangueira. Em entrevista a Lúcia Rito, da "Revista de Domingo", do "Jornal do Brasil", Dorival relembrou "a escola que conheci nos anos 30 e onde fiz amizade com Cartola, um endereço certo para quem vivia de música e de arte".
EMOÇÕES - Nos últimos 15 anos, apenas por três vezes Dorival Caymmi esteve em Curitiba. Em 1972, poucos meses após a inauguração do Teatro do Paiol (27/12/1971), com seu violão Dorival se apresentou no pequeno teatro. Houve briga de foice pelos ingressos e se a construção não fosse sólida por certo explodiria tal o número de pessoas que desejavam aplaudi-lo. Felizmente, a noite foi transmitida pela televisão e a arte do Dorival - que não vinha à cidade há mais de uma década - foi vista por milhões de espectadores.
Em 1974, num festival de grandes nomes da MPB que Sale Wolokita - então superintendente do Guaíra - organizou para a inaguração do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, Caymmi voltou - desta vez acompanhado dos filhos Nana, Dory e Danilo. A família é tão musical quanto temperamental, mas as divergências internas desaparecem quando, no palco, eles se apresentam com um repertório maravilhoso e único.
Finalmente, em maio de 1982, na grande noite do evento Brasil de Todos os Cantos, a família Caymmi voltou a se apresentar no Guaíra. Foi o momento de maior emoção já visto em termos de MPB em Curitiba. Ao grande Caymmi, uniram-se mais de 20 grandes nomes de nossa música que também participavam daquele evento e, público em pé, lágrimas nos rostos de centenas de pessoas, teve-se uma consagração a um compositor e intérprete que em 52 anos de carreira, 12 lps gravados e menos de 100 músicas, é, entretanto, um dos pilares de nossa cultura.
Caymmi é, realmente, emoção e qualidade.
Quanto esplendor
Nas igrejas soam hinos de louvor
E pelos terreiros de magia
O ecoar anuncia o novo dia.
Jamelão (José Bispo Clementino dos Santos), firme e vigoroso em seus 73 anos, voz única, será o puxador do samba "Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia e a Mangueira têm", com o qual a Mangueira reverencia neste Carnaval a Dorival Caymmi, obá de Xangô, portador de folclore, pesquisador, músico, poeta, instrumentista, cantor, ator e pintor.
É lendária a preguiça de Caymmi. Há muitos anos que só propostas realmente irrecusáveis o fazem sair de sua tranqüilidade no Rio das Ostras e enfrentar o palco. E mais do que o dinheiro, tem que haver a credibilidade de quem promove o evento, a qualidade artística e a certeza de que será um espetáculo seguro. Caymmi é, com razão, exigente. Assim com também compõe lentamente, demora a fazer seus quadros e permaneceu 12 anos sem gravar um lp. Na mesma entrevista a Lúcia Rito, do JB, disse:
- Eu demoro porque sou pretensioso. Quero fazer músicas tão populares como "Ciranda, Cirandinha".
E embora não persiga esse sucesso - "esta afirmação não passa de um devaneio" - quase todas as canções de Caymmi são cantadas no País inteiro, regravadas constantemente por cantores jovens. As músicas de Caymmi nascem devagarinho: "João Valentão" levou 9 anos para ter a primeira interpretação e "Saudades da Bahia" ficou 12 anos na gaveta. Mas músicas como "Acalanto" (1957), "Acontece Que Eu Sou Baiano" (1944), "O Bem do Mar" (1954), "História de Pescadores" (1957), "Das Rosas" (1965), "Dora (1945), "Doralice" (1945), "É Doce Morrer no Mar" (parceria com seu amigo Jorge Amado, 1941), "E Eu Sem Maria" (parceria com Alcir Pires Vermelho, 1952), "Eu Não Tenho Onde Morar" (1960), "A Jangada Voltou Só" (1941), "João Valentão" (1953), "Lá Vem a Baiana" (1947), "A Lenda do Abaeté" (1948), "O Mar" (1940), "Maracangalha" (1956), "Marina" (1947), "Milagre" (1977), "Não Tem Solução" (parceria com Carlos Guinle, 1950), "Nem Eu" (1952), "Nunca Mais" (1949), "O Que é Que a Baiana Tem?" (1939), "Oração de Mãe Menininha" (1972), "Peguei um Ita no Norte" (1945), "A Preta do Acarajé" (1939), "Rosa Morena" (1942), "Sábado em Copacabana" (parceria com Carlinhos Guinle, 1951), "O Samba da Minha Terra" (1940), "Saudade da Bahia" (1957), "Saudade de Itapoã" (1948), "Só Louco" (1955), "Você Já Foi à Bahia?" (1941) - (e bastam estas mais famosas) - são suficientes para mostrar a grandeza deste artista brasileiro, o grande homenageado da Mangueira, no samba de Ivo, Paulinho e Lula.
Lua cheia/ Lua cheia
Leva a jangada pro mar
Oh sereia/ Como é belo o teu cantar
Das estrelas/ A mais linda tá no Gantois
Mangueira, berço do samba
Caymmi, a inspiração
Que mora no meu coração.
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