Mautner, livros e movimento da Figa
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de abril de 1987
A cronista Margarita Elisabeth Pericás Sansone teve uma grande alegria no sábado: pode conhecer melhor um escritor do qual ela foi a primeira curitibana a se apaixonar pela sua linguagem vanguardista. Há 25 anos, quando a então adolescente Margarita procurava editor para o seu livro de poemas ("O Dentro Da Gente", Martins, 1964), esteve com o caprichoso Massao Ohno, que a presenteou com um dos primeiros exemplares de "Deus Da Chuva E Da Morte" (Martins, 1962). Num calhamaço de quase 400 páginas, o então jovem autor, Jorge (Henrique) Mautner (Rio de Janeiro, 17/01/1941) propunha uma linguagem revolucionária para a época, introduzindo a chamada filosofia do Kaos (com "K"), que viria a desenvolver em seus livros seguintes "Kaos", "Narciso Em Tarde Cinzenta" e "Vigarista Jorge" (este, em 1965, apreendido pela polícia).
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Hoje, aos 46 anos, dez livros publicados, cinco elepês gravados, autor de um filme rodado em Londres ("O Demiurgo", 1971), com Caetano e Gil (e no qual estão algumas das sementes de "O Cinema Falado"), Jorge Mautner continua com uma obra intensa. Seu novo livro, "O Evangelho Da Nova Era", já está no prelo da Global, e representa uma parceria com o pintor Humberto Espíndola, formado em jornalismo pela Católica, em Curitiba, e agora recém empossado secretário da Cultura de Mato Grosso. Com imagens da Bovino-cultura - movimento de artes plásticas que deu a Humberto (irmão da cantora Tetê) projeção nacional, Mautner desenvolveu novos textos, fragmentários e inventivos como de seus livros mais recentes ("Panfleto Da Nova Era", "Sexo No Crepúsculo", "Fundamentos Do Kaos").
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Violinista, compositor (só gravadas, tem mais de 200 músicas) e cantor, tendo desenvolvido por anos uma parceria com Nelson Jacobina - com quem até hoje divide apartamento no Rio - Mautner tem grande musicalidade. Tanto é que o seu amigo Paulo Leminski lhe mostrou uma nova letra, "Quem Respira, Conspira", a qual Mautner musicou na primeira leitura e, minutos depois, com ajuda de Gil e a participação vocal de Flora (esposa de Gilberto) e Alice Ruiz (esposa de Leminski) já era cantada, afinadamente e até com um bom breque.
Há oito anos, Mautner inaugurou em Curitiba o Teatro Universitário, lançando então o "Fragmentos De Sabonete". Agora com material pronto para um novo elepê, pensa em voltar ao cinema. Entusiasmado pelo "Cinema Falado", que seu amigo Caetano realizou de uma forma extremamente pessoal, quer desenvolver um trabalho na mesma linha. A questão é só levantar recursos, pois para fazer "O Demiurgo", há 16 anos, em Londres, ele levou US$ 5 mil, que havia ganho, trabalhando pesado, durante seu exílio nova-iorquino.
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Ex-integrante do PT e ainda ligado ao PDT, Mautner está lançando agora um novo esquema político: Movimento da Figa, oficialmente inaugurado nesta temporada artística com Gilberto Gil. Uma bonita canção, bandeira no palco e um embasamento filosófico que envolve dezenas de influências e só não aceita dois tipos de propostas: racismo e belicistas. "Fora disto, a Figa está aberta para tudo que der e vier", diz Mautner, negando, entretanto que, a exemplo de Gil, pensa em fazer carreira política.
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Pelo menos uma personalidade política já ficou conhecendo o Movimento da Figa: o governador Álvaro Dias e esposa Débora estavam sábado à noite, no Guaíra, e aplaudiram bastante o show. Depois, o governador deu um abraço em Mautner. Mas não assinou, é claro, a ficha de inscrição na Figa - distribuída no hall de entrada do teatro.
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A letra do "Hino da Figa" já é o próprio manifesto político do movimento. Gil - que espera ver esta música lançada em disco-mix em breve, começa dizendo:
O meu gesto político, Figa!
Este é o meu gesto, meu gesto de amor
Ele não faz parte de uma doutrina
Ele não pertence a nenhum senhor
É como o gesto de um fidalgo branco
que acolhe em seu leito uma negra escrava
e nela crava o seu cravo de afeto
e então se trava a batalha do amor!
Sem nenhum outro motivo que o sonho dê
ao próprio sonho fazer vencedor,
sem nenhum outro querer que não seja
ver a beleza distinta da cor
O meu gesto é o Fogo Sagrado
que não destrói mas é abrasador
que faz a dor transmutar-se em alegria
pelo seu mais agradável calor.
No meu gesto político, Figa!
Nenhuma mágoa, desprezo ou temor!
LEGENDA FOTO - Jorge Mautner: um novo livro e projetos de cinema.
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