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Aramis

Mitológica viagem (sem LSD) pelos caminhos da harmonia

"Mito (do grego mythos), fábula, S. M. I Narrativa dos tempos fabulosos ou heróicos. 2.Narrativa de significação simbólica, geralmente ligada à cosmologia e referente a deuses encarnadores das forças da natureza e/ou de aspectos da condição humana. 3. Representação de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação popular, pela tradição etc." (Quatro das dez definições que mestre Aurélio Buarque de Hollanda dá em seu dicionário). Há muito tempo que César Camargo Mariano planejava um álbum como "Mitos" (CBS, maio/88). E ninguém chega a um trabalho-solo como este sem ter muita - mas muita - mesmo estrutura, musical, cultural, harmônica. De cuca e coração. De teclados e estradas. Às vésperas dos 45 anos - a serem completados no dia 19 de setembro, este paulista da capital mas de família (e vivência) no Norte do Paraná, trilha os teclados desde os 13 anos e já tem 28 anos de vida profissional. Uma bagagem respeitável, que lhe permite mergulhar em travessias cada vez mais audaciosas e extrapolando criatividade por todos os poros e sentidos. Pilotando teclados da maior tecnologia - como os Yamaha TX-816, o DX-7, o Korg DSS-1, Roland D-50, TX-7, Emax, Akai s-900, Júpiter 6 e Juno-106 - ou na nobreza do gran piano Rosendorfer, com 97 teclas, o melhor e o mais caro do mundo, CCM leva neste "Mitos" o incrível equilíbrio entre a técnica e o sentimento, na pujança de um repertório da maior interligação que principia com um tema hoje conhecido nacionalmente, mais do que a faixa-título, o tema de Édipo em "Mandala" - que deu a recém-encerrada telenovela uma dimensão tão grande que passou a ser o tema não do personagem mas do próprio folhetim eletrônico. Desde os 17 anos, quando começou a ganhar seus primeiros trocados na orquestra de William Fourneau, César não mais parou de estudar e trabalhar e assim, em 1961, na eclosão da Bossa Nova, já fazia parte do conjunto Três Américas e gravava um dos primeiros lps da camerística Alaíde Costa. Sempre inovando, passaria por grupos como o Som-3, São Paulo Dixieland Band e, em 1962, com Humber Claiber no baixo e o nosso Airto Moreira na bateria fundaria o Sambalanço Trio, de cuja modernidade ficaram três elepês históricos. César saiu do trio quando casou com a cantora Marisa (Vertulo Brandão, a Gata Mansa) (1) e logo depois fundaria o Som-3, com o baterista Toninho Pinheiro e o baixista Sabá (depois eles fariam o Jongo Trio) entre 1965/71. Fez arranjos para discos de Elizeth Cardoso e criou um octeto com o qual faria um elepê. Com o Som-3 trabalhou com inúmeros artistas - de Wilson Simonal (em sua melhor fase) e Elis Regina (com quem se casaria), o seu talento fez com que cantores(as) ganhassem uma expressão que não seria bem assim se não fosse o seu talento. Instrumentalmente, César sempre gostou de discos com idéias, assim fazendo uma espécie de suíte em homenagem à sua cidade ("São Paulo Brasil", RCA, 1977) e desenvolvendo encontros especiais com o guitarrista Hélio Delmiro ("Samanbaia", Odeon, 1981), a cantora nana Caymmi ("Voz e Suor", Odeon, 1983) ou o colega dos teclados - Nelson Ayres ("Prisma", RCA, 1985, e Wagner Tiso ("Todas as Teclas"). Depois de "Ponte das Estrelas" (CBS, 1986), no qual explorou inúmeras possibilidades sonoras, César neste "Mitos" desenvolve um trabalho extremamente inteligente. Da ecologia ("Caça a Baleia", com a participação vocal de Ivan Lins, também presente na homenagem a Tom, "O Amor em Paz") a uma instrumental sátira ao momento político ("Constituindo"), César esbanjar sua segurança nos teclados - mas ficando nos vôos solos no belíssimo "Salamanca" e na homenagem a Stevie Wonder ("Send one your love"), na nobreza acústica do Rosendorfer, gravado no Palácio da Cidade - Prefeitura do Rio de Janeiro. Em "Tokyo", outra homenagem, no caso com a participação do homenageado - o sax-soprano Sadao Watanabe - em registro de 3'01 no qual o baixo de Nando e a bateria de Sérgio Herval complementam o registro, "Uma Mulher" também nasceu em função de "Mandala" - tendo como tema a Jocasta e na gravação o dueto com a revelação maior do saxofonista Leo Gandelman, um dos instrumentistas em maior efervescência atualmente. "Cremoso", parceira com o baterista Serginho, nasceu do improviso livre do baterista, numa Dinacord em que fez as dobras. Em cima da fita os dois compuseram a melodia e o arranjo e Nando colocou o baixo e a escolha do título veio "como uma forma de homenagem, por ser um termo usado pelo baterista - que significa que alguma coisa está custando a acontecer" esclarece a jornalista Cristina Pereira. Com homenagens a Tome Wonder, não poderia faltar um referência - mesmo que indireta a Milton Nascimento. E esta é a faixa de encerramento, "Belo Horizonte", "Ela foi composta tendo como base a gostosa lembrança da voz de Bituca" disse a Cristina Ferreira, no qual ao seu Yamaha CP-80, acrescentou o baixo de Nico Assumpção e o violão de Heitor T. P., outra revelação jovem da música instrumental e que acaba de ter seu primeiro elepê-solo lançado pela EMI-Odeon. "Mitos" poderia se chamar "Viagens". Sem qualquer estímulo lisérgico, é a sonoridade clara e perfeita ao mundo mágico dos sonhos. Melhor só em CD, aliás, já programado para lançamento inclusive internacional. Nota (1) O Sambalanço Trio estava em ótima fase e acompanhava Lennie Dale num show no Rio de Janeiro (juntos fizeram um elepê) quando César decidiu deixar o grupo. Airton e Kleber tentaram levar o trio adiante, com um substituto, mas não deu certo. Posteriormente formaram o "Sambrasa", com Hermeto Paschoal, que gravou um elepê (Som Maior, 1965), mas que também não deu certo. "Era moderno demais para a época", nos dizia, no último sábado, Airto Moreira, antes de retornar para a Califórnia, onde hoje reside.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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13
25/05/1988

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