Na tese de Coutinho um outro lado de Gilberto
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de dezembro de 1981
Cunhado do desembargador Heliantho Camargo, presidente do Tribunal de Justiça do Estado e com raízes curitibanas - aqui passou sua adolescência, o jornalista e escritor - Ediberto Coutinho guarda preciosas recordações dos anos em que era o locutor do Clube Juvenil M-5, da Rádio Guairacá, então dirigida por Aluísio Finzeto. Intelectual ativo, presente em muitas frentes de trabalho, Edilberto não pára: seus livros de contos tem colecionado prêmios e há poucos dias defendeu sua tese de doutorado na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro: "A Ficção do real em Gilberto Freire". Neste seu novo trabalho universitário, Coutinho analisa o método de Freyre em tratar sempre imaginativamente o fato histórico.
- A história que ele escreveu nunca foi um simples relato convencional dos acontecimentos. Constituiu-se, antes, numa interpretação, a seu modo poética, e até romanesca, da nacionalidade brasileira. Romanesca, no sentido em que Balzac e os irmãos Goucourt falam da "história íntima" dos povos como um verdadeiro romance. Por isso, Gilberto Freyre - a partir de seu clássico "Casa Grande & Senzala", tem sido comparado aos criadores dos maiores monumentos literários da humanidade, como "A Comédia Humana", "Guerra e Paz" e "Em Busca do Tempo Perdido". Mostra Coutinho que Gilberto Freyre em suas denominadas seminovelas - ou seja, nos livros "Dona Sinhá e Filho Padre" e "O Outro Amor do Doutor Paulo" - faz o histórico, a todo momento, penetrar o campo da estória, criando-se assim um produto necessariamente "híbrido" - casamento de gêneros "normais" das seminovelas - que é considerado como veículo de realização ideal para um autor que se proclama essencialmente "misto".
Em seu estudo - primeira crítica universitária que se faz sobre a ficção de Freyre - Coutinho surpreende, nos textos dispersos do autor de "Casa Grande e Senzala", como crítico literário, uma espécie de teorização pré-existente ao seu projeto de "seminovelista", e que viria a ser por ele aplicada nos livros "Dona Sinhá e o Filho Padre" e "O Outro Amor do Doutor Paulo". O levantamento do corpus literário gilbertiano permitiu, ainda, a Ediberto Coutinho, constatar que, como ficcionista, Freyre continua a tratar sempre imaginativamente o fato real. Ao mesmo tempo, o autor de "A ficção do real em Gilberto Freyre", pôde apontar uma brecha "nos excelentes estudos anteriores" analisando, pela primeira vez as "seminovelas" do ponto de vista da "construção e abismo".
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Falando em ficção e o real, uma experiência inédita foi feita por Silvinho Santiago, mineiro, 45 anos, em seu livro "Em Liberdade" (Paz & Terra, 235 páginas, Cr$ 480,00). Formado em letras neolatinas e com doutorado em várias universidades americanas, Silviano resolveu inventar um possível diário que Graciliano Ramos (189201953) teria escrito ao sair da prisão. Para tal, durante cinco anos, familiarizou-se com a obra do romancista alagoano, pesquisou em livros, jornais e revistas da época, consultou álbuns fotográficos e guias de ruas da cidade, com o intuito de dar maior autenticidade à narrativa. Sua intenção mestra foi a de escrever uma história do movimento modernista de 22 através do cotidiano dos seus principais autores, durante um momento de crise na sociedade brasileira. Como pano de fundo para a vivência de Graciliano, tem-se a perseguição aos comunistas de 35, o fortalecimento das forças integralistas e a sede de poder de Getúlio Vargas. A primeira parte de "Em Liberdade" passa-se na residência do romancista José Lins do Rego que, gentilmente, acolheu o colega de letras. Ao cabo de um mês, o autor de "Angústia" transfere-se para uma pensão no Catete, onde pensa escrever um romance provando que o poeta Cláudio Manuel da Costa não teria se suicidado. A originalidade da concepção romanesca, a atualidade do debate sobre os condenados políticos, o vasto panorama da época feito sem a linguagem convencional da história tornam "Em Liberdade" um livro original e interessante.
Falando em obras documentais, saiu agora "Ainda é Tempo de Viver", de Roger Garaudy (Nova Fronteira, 228 páginas, Cr$ 550,00) - Garaudy, 68 anos, nome dos mais marcantes do pensamento francês, propõe neste seu novo livro algumas questões importantes: "como sair da crise econômica e do desemprego?", "Como construir uma nova democracia?". Em sua obra anterior, "Apelo aos Vivos", Garaudy propunha perguntas e levantava dúvidas a respeito das contradições do mundo contemporâneo. Agora, neste livro-programa, concreto e imediato de vida, o filósofo francês procura encaminhas respostas objetivas sobre as principais questões de nossa época: Ao mesmo tempo, Garaudy desmistifica os interesses dos grupos econômico responsáveis pela desumanização de um progresso que só beneficia a eles próprios.
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Ao mesmo tempo que o jornalista Alberto Dines publica uma original biografia do escritor Stefan Zweig (1881-1942), a Nova Fronteira está reeditando sua obra: em novembro saiu "Maria Antonieta" e agora foi para as livrarias o "Brasil, País do Futuro" (236 páginas, Cr$ 550,00). Quando chegou ao Brasil, em 1939, para uma rápida viagem a convite de Vargas, o escritor austríaco Zweig encantou-se com o Brasil que e a ele dedicaria esta obra, lançada em 1941, na Europa e que, posteriormente traduzida para seis idiomas, projetou internacionalmente o nosso País - e o título, ficou como uma adjetivação até certo ponto irônica.
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Uma pausa para a (boa) ficção: Lígia Fagundes Telles reuniu em "Ministérios" (Nova Fronteira, 224 páginas, Cr$ 550,00), contos onde libera as formas mais definitivas de sua força dramática e de sua imaginação. Há um entrelaçamento de realidade com fantasia. No primeiro efeito aparecem questões como a censura, a repressão e o "milagre brasileiro" e no efeito fantástico estão presentes, as fantasias secretas, diurnas e noturnas, os estados perfeitos do autor e da inocência.
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