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Aramis

Nas chamas, o alerta

A trágica destruição do Templo das Musas, na madrugada de ontem, mais do que o desaparecimento de uma das mais notáveis bibliotecas privadas do Brasil, justifica reflexões sobre um problema que só merece atenção quando acontecem fatos semelhantes: o abandono do patrimônio cultural. Inúmeras vezes, intelectuais que acompanharam ao longo de cinco décadas o verdadeiro sacerdócio do professor Rosale Garzuze na manutenção do templo fundado por seu sogro, Dario Vellozo (1869-1937) lamentavam que o Estado fosse tão insensível em relação a conservação daquele patrimônio cultural. Com a (esfarrapada) desculpa de que apenas a Biblioteca havia sido tombada pelo Patrimônio Histórico - mas o prédio continuava como propriedade particular da família Vellozo - o Estado nunca se dignou a investir um centavo em sua reparação física. Construído em 1918, o Templo das Musas sofreu, naturalmente, a ação do tempo e o incêndio que agora aconteceu foi uma conseqüência natural. xxx A professora Cassiana Lacerda Carolo, que durante anos pesquisou sobre o simbolismo (tema de sua tese de doutoramento) na biblioteca do Templo das Musas do Instituto Neo-Pitagórico, tentou, quando assessora do ex-secretário da Cultura, Luís Roberto Soares, viabilizar um projeto para ajudar a preservação de bibliotecas como aquela e a do Círculo de Estudos Bandeirantes (outro espaço cultural, em péssima situação e também arriscado a ser destruído por um incêndio). Graças ao empenho de Cassiana, viabilizou-se ao menos a microfilmagem das publicações paranaenses que existiam na biblioteca do Templo das Musas - inclusive a única coleção completa da revista do Clube Curitibano. Entretanto, centenas (milhares?) de outras publicações ali existentes, inclusive o número um de um jornal editado em Salvador, no século XVIII (único exemplar existente no País) não foram microfilmados - sendo destruídas na madrugada de segunda-feira. Só uma Enciclopédia, editada na França, no século XVIII, ali existente, tinha um valor quase impossível de ser calculado, haja visto sua raridade. Telas de Andersen e outros mestres da pintura brasileira, documentos, livros, revistas, perderam-se em poucos minutos. xxx Agora, todos choram pitangas. Fala-se, emotivamente, em manifestações de solidariedade (como se isto pudesse recuperar o que foi destruído), valoriza-se o trabalho do médico e professor Garzuze, quase octogenário, doente, e que até há poucas semanas passadas era obrigado a subir no teto do Templo para substituir telhas quebradas. De nada adianta, esta demagogia (dita) cultural depois que a tragédia aconteceu. O que o Governo deve - e pode - fazer - é aplicar recursos na recuperação dos museus, bibliotecas e outras instituições culturais, preservando o pouco que resta - ao invés de desperdiçar milhões em discutíveis promoções que, no frigir dos ovos, apenas beneficiarão determinados grupos. Que as chamas que levaram o Templo das Musas sirva de alerta aos homens que, neste momento, podem e devem fazer algo de sério - e com menos blá-blá - em nosso Estado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
26/08/1987

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