Chamas não destroem os ideais de Vellozo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de setembro de 1987
Na manhã de quarta-feira, quando a fumaça do incêndio que destruiu o Templo das Musas, em Vila Isabel, ainda não havia desaparecido, o professor Rozale Garzuze, 82 anos, dava um exemplo de força e idealismo: não só dizia que a próxima reunião do templo aconteceria mesmo, como ocorre há 82 anos, no primeiro domingo de cada mês - "desta vez nas escadarias, que não foram destruídas" - ainda entregava há alguns amigos, que o foram consolar, exemplares da mais recente publicação do Instituto Neo-Pitagórico, um livro de 132 páginas. "No Limiar da Paz", de Dario Vellozo (Editora Litero-Gráfica, julho/1987).
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Exemplo de Guardião do Templo, Rozale Garzuze manteve os ideais, o pensamento e os sonhos de seu sogro, Dario Vellozo, desde sua morte, há exatamente 50 anos. Nesse meio século, vivendo modestamente - como médico (patologista) e professor (há anos aposentado) da Universidade Federal do Paraná, Garzuze fez um verdadeiro sacerdócio no Templo das Musas. Generoso e afável, ali sempre recebeu todos que o procuravam - fosse para buscar informações sobre o Instituto Neo-Pitagórico, com sua filosofia embasada na antiga Grécia, fosse para conhecer e pesquisar na preciosa biblioteca - cujo desaparecimento todos lamentam. Em 1969, quando das comemorações do centenário de nascimento de Dario Vellozo (1869-1937), Rosale iniciou a publicação das obras completas do professor e filósofo e poeta que, na tranqüila Curitiba de 1909 fundou o Instituto Neo-Pitagórico - e que, as suas custas, em 1918, construiu a sede-templo, agora destruída por um incêndio. Tendo deixado uma grande obra - parte da qual inédita, os textos de Vellozo vem sendo publicados (ou reeditados), sempre com imensos sacrifícios por Garzuze. De mais de 20 títulos da chamada "Biblioteca Neo-Pitagórica", lançados a partir dos anos 60, 15 encontram-se esgotados - já que sua circulação atingiu interessados em várias partes do mundo que, ao longo destes anos, aprenderam a admirar os princípios neo-pitagóricos, seus ideais de fraternidade, entendimento e paz.
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"No Limiar da Paz", obra escrita por Dario Vellozo em 1922, quando teve sua primeira edição, seria relançada em 1939 e 1969 - tendo agora uma quarta edição "comemorativa ao 50º aniversário de falecimento do autor", como explicava o professor Garzuze aos amigos ao entregar o volume. Aquilo que, normalmente, abalaria qualquer pessoa - a destruição de todo um patrimônio cultural que representa a vida e os esforços por um grande idealismo - foram enfrentados estoicamente pelo professor Garzuze. Apesar de enfrentar sérios problemas de saúde, sua força espiritual é tão grande que não viu, nas labaredas que destruíram em poucos minutos a síntese de uma vida, o final dos ideais neo-pitagóricos.
Na leitura deste livro, encontram-se algumas das idéias básicas que sempre marcaram Vellozo - especialmente um profundo otimismo e brasilidade. Assim na página 40, afirma:
"O Brasil é a Terra da Fraternidade.
As raças fundem-se para formar-lhe a alma.
O Brasileiro não é o indígena, e nem o europeu, e nem o africano, e nem o asiático;
entretanto, corre-lhe nas veias a vida das grandes raças; no tipo complexo apresenta os melhores influxos dos pró-tipos.
Sim! Porque as grandes raças concorrem para formá-lo; e, resultado de todas, não é nenhuma em si mesma.
Sim, porque no caldeamento há seleção; e a seleção rejeita os resíduos.
Os povos de ontem e de hoje têm sido expoentes de raças; raro, e efemeramente, subiram acima do nível técnico.
O Brasileiro é o povo de amanhã; misto das grandes raças, é o expoente da espécie, a síntese da humanidade.
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