No bangue-bangue, o massacrado foi Morricone
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de novembro de 1989
O mercado de trilhas sonoras vem crescendo, conforme aqui registramos há duas semanas. Portanto, com prazer, voltamos ao tema, especialmente porque se de um lado há as chamadas trilhas de oportunidade - como as que a onda Batman está impulsionando - existem também sound track especiais, do maior significado, como a do documentáro "Let's Get Lost" (RCA-Novas), antecipando a chegada deste longa-metragem biográfico sobre Chet Baker (trompete e vocal), cuja vida encerrou-se de forma trágica, em maio do ano passado, em Amsterdan, num acidente até hoje não devidamente esclarecido.
A mesma BMG/Ariola, que lançou esta trilha com momentos históricos de sua carreira, também colocou nas lojas a ST de "Contos de Nova York", em exibição no Rio de Janeiro, no qual intérpretes diversos - desde "A Shiter Of Pale"("Procol Harum) até o melhor jazz, ilustram os sketeches dirigidos por Francis Coppola, Martin Scorsese e Woody Allen.
Evidentemente, que em termos de vendagem, a parte da trilha de "Batman" que foi confiado ao mito Prince é a que está acompanhando as bilheterias do filme, pois num lançamento simultâneo a WEA já o havia colocado nas lojas antes mesmo do filme estrear nacionalmente. A trilha musical, incidental, da Danny Elfman, deve merecer outro elepê, enquanto a Polygram, remexendo seus arquivos, traz um álbum com a música dos seriados de televisão, incluindo vozes dos atores que, nos anos 60, interpretavam Batman, Robin e seus inimigos Coringa, Pingüim etc.
Morricone Pop
A passagem do vanguardista John Zorn pelo Brasil, no último Free Jazz Festival, estimulou a WEA a reeditar "Spillane" - sua criação de 1987, em torno (ou homenagem) do escritor policial Mickey Spillane, numa fusão de rock/jazz/cordas, mas também trazê-lo em outro atrevimento: "The Big Gundown".
Para os cultores da obra de Ennio Morricone - hoje no altar dos grandes músicos de cinema, com uma obra que ultrapassa os 300 filmes - a irreverência cometida por Zorn em relação a sua obra é imperdoável e não foi sem razão que morriqueneanos fiéis como Clóvis D'Aquino ("Raridade") e Cláudio Lacerda nem aceitaram incluir este álbum em suas criteriosas coleções de músicas de cinema.
Mesmo respeitando a obra de Morricone - a quem dedica um afetuoso texto no álbum - John Zorn não quis ficar na transcrição tradicional de seus temas, muitos deles tão conhecidos pelos filmes que percorreram o mundo e identificaram o próprio western italiano ("Giu La Testa", "Era Uma Vez o Oeste"). Assim, partindo de idéias muito próprias, juntando as temáticas de Morricone toda a liberdade que se dá o direito de introduzir em sua música, Zorn buscou instrumentistas de várias origens para revisões realmente demolidoras. "The Big Gundown", que dá título e abre o álbum, é uma verdadeira batucada, com oito percussionistas, incluindo brasileiros (Jorge Silva, Cláudio Silva, Ciro Batista, Dudu Fonseca) e até Arto Lindsay, norte-americano (mas que se criou no Nordeste), cuja presença retorna em várias outras faixas: "Peur Sur La Ville" (aqui em vocais e guitarra), "Milano Odea", "Giu La Testa". Wayne Hervitz, no piano, também é outra presença curiosa num disco que chega ao ponto de incluir um tema "Erótico", destacando a presença de Laura Biscotto como "Sexy Italian Vocals". Claro que num álbum dedicado a Ennio Morricone, por mais liberdades que se tome, não poderia faltar solos de harmônicas, e se em "Puer Sur La Ville", o convocado foi Orvin Aquart (desconhecido no Brasil) no tema de "Era Uma Vez a América" coube ao internacionalmente respeitado Toots Thielmans a execução deste instrumento.
Propositalmente concebido como uma versão provocativa - mas instigante e que não deixa de ter sua criatividade "The Big Goundown" merece, no mínimo, ser ouvida, sem preconceitos.
Enviar novo comentário