No livro da Boca, a presença feminista
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de dezembro de 1980
O jantar de confraternização que marcará o 25º aniversário da Boca Maldita (sábado, 13, na Sociedade Thalia) poderá ter, este ano, ao menos uma presença feminina: da socióloga e professora Maria de Lourdes Montenegro, uma das mulheres mais inteligentes e atuantes da cidade, atualmente integrando a equipe de apresentadores da Rádio Cidade. Afinal, no livro sobre a BM, com lançamento previsto para aquela ocasião, a única mulher entrevistada pela equipe de cinco estudantes que o elaboraram foi Maria de Lourdes, que respondendo a pergunta sobre a existência de discriminação com relação a mulher na BM, negou tal fato, mas ressalvando que "a mulher curitibana, entretanto, é ainda muito preconceituosa e não tem suficiente segurança para [freqüentar] lugares públicos, sem um motivo determinado. As mulheres conversam em casa, nas salas de espera de dentistas, médicos, advogados, nas escolas, nos clubes, etc. - mas ainda têm certo receio de [freqüentar] cafés e, naturalmente, a Boca. O tradicionalismo é nossa marca registrada".
Elaborado pelos estudantes Lucimar Aparecida Ferreira Leite, Marlene Nunes Soares, Paulo Sérgio Ivanoski, Risolete Nallin Celli e Sérgio Vicente Sieciechowicz, como trabalho escolar para a cadeira de sociologia da Faculdade de Direito de Curitiba (88881 ano), orientada pelo professor e líder kardecista Maury Rodrigues Cruz, a pesquisa está sendo impressa na Digital, do editor Luís Renato Ribas, para ser colocada à venda no sábado, com renda em benefício de obras sociais. Uma idéia interessante, mas infelizmente desenvolvida apressadamente e sem melhor metodologia, o trabalho dos cinco estudantes ficou na coleta de algumas opiniões de [freqüentadores] da Boca Maldita, um depoimento de seu presidente (perpétuo) e fundador, advogado Anfrisio Siqueira e transcrições de trechos de algumas reportagens publicadas pela imprensa a respeito. Válido, entretanto, por iniciar uma bibliografia a respeito de uma instituição caracteristicamente curitibana, mas que pode - e deve, insistimos - merecer ainda estudos de maior profundidade, no sentido histórico (totalmente esquecido pelos autores neste trabalho), urbanístico e psicológico.
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Os entrevistados pelos autores do trabalho (a todos feitas as mesmas perguntas) foram o comerciante Chaim Boiko, deputado Mário Celso Cunha, Sr. Manoel Francisco ("Pernambuco"), Maria de Lourdes Montenegro e o personagem conhecido como "Povão". Como se vê, faltaram importantes - e tradicionais - [freqüentadores] da Boca Maldita, que dariam uma grande dimensão ao ensaio. Bastaria, cremos, ouvir o jornalista Luiz Geraldo Mazza, um dos mais antigos de seus "habituês" e que sempre conseguiu unir a sociologia ao jornalismo, para que a parte de depoimentos fosse enriquecida. Entretanto, como dissemos, vale o esforço. Já que a intenção foi dar um tratamento sociológico à BM - e Maria de Lourdes Montenegro foi a única profissional ouvida, eis o seu ponto de vista técnico a respeito: "Sociologicamente a Boca cumpre a sua tarefa ao tratar o fato social como primordial. Aos cavalheiros da Boca é reservado o papel importante que sempre coube aos responsáveis pelas comunicações mais autênticas e indispensáveis que vêm do diálogo. Se pudéssemos voltar aos tempos da República de Platão encontraríamos a origem da Boca na reunião comum entre os homens, que sabiam, e que em aglomerados simpáticos e descontraídos traziam a sua palavra como um exercício natural da língua e principalmente da forma de manter as ligações entre as pessoas e fazê-las amigas e ligadas pelos mesmos ideais de bem servir as causas maiores".
Anfrísio Siqueira, a quem se deve a estrutura jurídica (com assessoria de René Dotti) e administrativa da Boca, reconhece que "graças às realizações da Boca Maldita, minha pessoa ficou conhecida nacionalmente: obtive grande projeção, ao passo que com os cargos por mim exercidos, na minha vida privada e pública, não alcancei nem parte deste renome".
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