No Mundo do Cazuza
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de setembro de 1976
Nos últimos quatro anos as crianças curitibanas começaram a habituar-se em assistir aos domingos pela manhã, em algumas praças da cidade ou nas escolas, durante a semana - além de ocasionais no auditório Glauco Flores de Sá Brito, que ocupa o subsolo do palco do grande auditório do Teatro Guaira, espetáculos com teatro de bonecos. Dois grupos - o Dadá e o Torre Amarela, vem se revezando em estimular no público infantil o interesse pelo bom teatro de bonecos. Os dois festivais nacionais de teatro infantil aqui realizados, paralelamente ao concurso anual de textos para teatro infantil que a Fundação Teatro Guaira patrocina, tiveram um natural reflexo sobre os grupos locais - embora tanto o Dadá como o Torre Amarela, já tivessem iniciado suas atividades há bastante tempo.
No ano passado, o Festival Nacional de Teatro Infantil, realizado em janeiro (75) teve uma presença maior de grupos de titireteiros e fantoches de vários Estados, inclusive de um dos últimos remanescentes dos mamulengos, de Recife. Este ano, o Festival voltou-se mais a experiências com espetáculos de atores, inclusive com a presença do teórico Volkwer Ludwig do Grips, de Berlim, que encenou " Locomoc e Milipili", através de patrocínio do Goethe Institut e que agora vem sendo apresentado em todo o País.
A EMOÇÃO QUE NÃO É ESQUECIDA - Euclides Cardoso, 40 anos, ex-estudante de engenharia, há 20 fazendo teatro, junto com sua companheira Ádair Shevonika e ajuda de Miriam Galarda Salles, é o responsável pelo grupo Dadá, cujas origens datam de 1961. Em 15 anos, o grupo percorreu muitos caminhos, aprendeu novas técnicas e por três anos permaneceu no Peru, ali desenvolvendo um trabalho dos mais estimulantes, que deixou como frutos uma escola para formação de titireteiros.
De volta ao Paraná, o Dadá vem percorrendo escolas, jardins-de-infância e praças com os espetáculos " Estória do Bem e do Mal", " Dadap vence o diabo", " As aventuras do coelhinho Dada", e " O Chapeuzinho Vermelho". Esta última foi a primeira ter uma temporada regular no auditório Glauco Flores de Sá Brito do Teatro Guaira, merecendo inclusive a premiação pelo SNT como um dos melhores espetáculos infantis produzidos no Brasil no ano passado.
Modificando a estória tradicional, nesta peça o " Chapeuzinho Vermelho" é mostrada como uma menina maldosa, que destroi as flores e o lobo aparece como um defensor da ecologia - deixando o final para o raciocínio dos próprios espectadores. Os resultados obtidos foram surpreendentes, confirmando uma das teses de Euclides Coelho:
- " O que nos propomos é provocar na criança emoções e reflexos, não limitando-se a espetáculos didáticos e terapêuticos.
Pode-se ensinar o que se quer através dos bonecos e com excelentes resultados, mas não é este o nosso único objetivo. O que pretendemos é fazer o pequeno espectador compreender e sentir. Uma lição pode ser esquecida, uma emoção jamais e assim os bonecos devem aproximar-se da lógica infantil sem preconceitos moralistas e evitando falsa ingenuidade.
Assim os espetáculos encenados pelo Dadá - atualmente está preparando " Em Boca Calada Não Entra Mosquito"- de Ariano Suassuna buscam ensinar as crianças a escutar, a tomar partidos e consciência em torno daquilo que lhe é mostrado, "descobrindo a força de uma reação conjunta do bem contra o mal" como diz Adair Shevonika.
OS ESPETÁCULOS INGENUOS Formada em belas artes, Icleia Rodrigues Guimarães fundou o Teatrinho da Torre Amarela em julho de 1973, mas há 11 anos que já vinha fazendo experiências no setor com o Teatro Folclórico de Fantoches, da Casa de Alfredo Andersen - uma das instituições culturais da área da Secretária da Educação e Cultura. Apresentando nos fins-de-semana "em todos os locais onde exista público infantil", conta Icleia, o Torre Amarela usa diferentes técnicas - bonecos de vara, luva, sombras, e marionetes, bonecos com enfeites e recursos humanos, bidimensionalidade, trimendicionalidade e transparência.
Com uma visão um pouco diferente da proposta de Euclides Coelho, Icleia explica o seu trabalho:
- Procuramos comunicar ao infantil os valores culturais através de estórias, fábulas, lendas, onde o real e o irreal encontram-se num misto de ação e poesia, levando a criança a participar de uma forma intensa. O boneco, o fantoche, o marionete, estes seres irreais, passam a viver a partir da expressão do artista que omanipula, comunica-se com as crianças, quando o animismo infantil permite a integração da criança com o boneco . A fantasia, a imaginação, os símbolos e arquetipos podem ser percebidos pela visão que o teatro de bonecos dá as crianças.
Isso justifica a preocupação de Icleia Rodrigues e seus colegas de trabalho - jovens na faixa entre 17/28 anos - em usar o teatro de bonecos "como uma abertura para as projeções psicológicas através da fantasia, uma identificação com os tipos, o herói , o violão, o bem e o mal". Assim, as peças que o grupo, 7 pessoas, tem montado (a maioria textos próprios, mas usando também de outros autores como do argentino Ilo Krugli) buscam o objetivo central de "permitir na criança um crescimento global de escolhas livres, de identificação pessoal, quando a personalidade em formação encontrará bases".
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