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Aramis

Nos Haikais do dia a dia o significado da permanência

Helena Kolody foi a primeira personalidade focalizada na série "Bicho do Paraná", idealizada pela Umuarama, com patrocínio do Bamerindus, para valorizar os talentos paranaenses. Assim como agora, a campanha de valorização das etnias, do Banestado, vai focalizá-la como símbolo da raça ucraniana ("É verdade? Eu nem estava sabendo", diz, surpresa), no "Bicho do Paraná" ela abriu a série de tapes veiculado pela televisão. A propósito, conta: Um dia, entrando num ônibus para ir a um bairro e visitar uma amiga, notei que algumas pessoas olhavam fixamente para mim. Pensei: "será que troquei novamente os sapatos e estou com pares diferentes?" Depois de algum tempo, uma senhora não resistiu e aproximou-se dizendo: - A senhora é que é o Bicho do Paraná? A expressão foi tão alta, que outros passageiros passaram a me olhar, surpresos. Acabei saltando do ônibus, antes do ponto em que queria desembarcar. xxx Concurso de poesia participou de dois. No primeiro, promovido pela Associação dos Homens de Letras, no Rio, inscreveu seu livro "Paisagem Interior", classificado em segundo lugar, ficando J. G. de Araujo Jorge em terceiro. Só que os resultados foram contestados, houve reclamações e a organizadora do concurso, Ana Cesar, acabou adoecendo. O segundo foi um concurso do Centro de Letras do Paraná, no qual ficou em segundo lugar. Processo de criação? Eis uma pergunta que sempre lhe fazem. Na simplicidade e ternura, ela diz que não há método ou fórmula. Há apenas "instante". - "De repente fico em estado de poesia e começo a sonhar palavras. Isto pode acontecer em qualquer momento". Recorda: - Estou numa idade em que me dou ao luxo de sair nas ruas com a maior tranqüilidade e parar para contemplar uma árvore, um pássaro, um transeunte - sem temer o ridículo. Dia destes, quando cruzava a Praça Rui Barbosa vi uma pena de pombo cair na calçada. Apanhei-a, contemplando-a e na hora pensei num poema. Como tinha apenas um lenço de papel, foi nele que escrevi. Apanhei na calçada Uma pena de pombo Aprisionei Um momento De vôo e vento A produção tem sido regular? Não, responde. Escreve quando há vontade, motivo, sem pressa. Por isto mesmo, seu último livro, "Poesia Mínima" (Criar, 1987, 47 páginas), trouxe apenas os poemas exatos, deliciosamente burilados, destes últimos meses. Há agora alguns novos poemas, como este ao qual chamou de Grafiti Meu nome desenho a giz no muro do tempo Choveu, sumiu! xxx Um hai-kai chamado "Rodeio" define seu ofício de poeta. Travo combates sem tréguas Com palavras indomáveis O teatro sempre foi uma grande paixão. Recorda-se das grandes temporadas teatrais na Curitiba dos anos 40 e 50. Hoje, com problemas de saúde, pouco sai de seu apartamento na Rua Voluntários da Pátria. - Vejo agora as peças na leitura dos textos. A pintura sempre a fascinou. Confessa uma certa frustração de não ter sido uma artista plástica. Hélio Pugliesi, professor, ensaísta literário, diz: - Mas a senhora realizou-se! Seus poemas são pinturas. Dona Helena admite que a música foi também influência em seus poemas: - Descobri a musicalidade nos versos. Ouvindo canções, mergulhando na música. Cruz Machado foi a cidade em que nasceu. Em Rio Negro se formaria professora. Mas seria em Curitiba - onde chegou pela primeira vez há 61 anos - que se tornaria, definitivamente, poeta. Assim, em "Olhos de Antes", dizia: Em vão, percorro a cidade com meus claros olhos de antes. E são como os passantes. As ruas não são as mesmas... E são como os passantes. A poesia, para Helena, está em todos os movimentos, em todas as partes. Olhando para uma árvore, ao entardecer, da qual voavam pássaros, a levou a escrever "Cromo" (o título quer lembrar aqueles decalques, em relevo, que ilustrava as páginas de álbuns do passado, explica). No silêncio luminoso da tarde As artes desfolham-se em pardais E os novos poetas? A poesia de agora? O que pensa. Novamente generosa, mas cautelosa, diz: - "Nunca se escreveu tanto, o que é bom. É importante que os jovens escrevam e produzam. O que tem valor ficará. Se há muito joio, também haverá algum trigo. O que é bom permanecerá." O respeito e admiração das novas gerações por sua pessoa e obra é grande. Difícil a semana em que não recebe a visita de jovens poetas, ex-alunos e mesmo solicitações para falar sobre a sua obra. Chegou até a escrever recentemente um poema a respeito, da forma com que pode ser vista pelos novos leitores. Quando damos entrevista A qualquer adolescente Que pergunta nossa idade Muitos anos em verdade Confessamos sem mistério E o estudante certamente Em seu íntimo registra Dinossauro ou megaterio? O peso dos anos, o desaparecimento de tantos amigos queridos, a transformação da cidade, não a alteram, não lhe retiraram o sentido da vida - a qual trouxe tanta poesia. Explicando sua admiração pela poesia satírica de Emílio de Menezes, diz em torno de suas (poucas) tentativas de fazer graça com as palavras. - É preciso aprender a rir de si mesmo. No poema e nas nuvens, cada qual descobre O que deseja ver Em sua obra, encontram-se respostas a tantas - muitas - questões. Para encerrar, fica seu Cantar. Quem vai cantando Não vai sozinho. Dançam em seu caminho O sonho e a canção.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/03/1988

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