O bom forró, de Gonzagão a Nando Cordel
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de abril de 1986
Como disse Eduardo Martins ("O Estado de São Paulo", 28/3/86), tudo os une, até mesmo a origem comum, e nada os separa, nem mesmo o sucesso. Criador e criatura, está longe o tempo em que Luiz Gonzaga (Exu, PE, 13/12/1912) e Dominguinhos (José Domingos de Morais, Garanhuns, PE, 12/2/1941) tocavam nas feiras e animavam bailes. Hoje, reconhecidos como intérpretes maiores, donos de públicos que se espalham por todo o País (e não apenas mais no Nordeste), eles influenciaram toda uma faixa musical - e, a cada novo disco, intercambiam experiências e amorosas presenças. Assim, o acordeon de Dominguinhos se ouve em várias faixas de "Forró de Cabo a Rabo-Gonzagão" enquanto Luiz Gonzaga é a participação especial em "Dançador Ruim" (João Silva/Zé Maco), que abre "Gostoso Demais", o novo disco de Dominguinhos - ambos editados pela RCA, que no mesmo suplemento (fevereiro/86) trouxe também outra nordestina identificada ao gênero forró, de imensa comunicabilidade e simpatia - Marinês e sua gente ("Tô Chegando"), também com as presenças de Gonzagão ("Tá Virando Emprego"), Dominguinhos ("Agarradinho"), mais Gilberto Gil ("Quatro Cravos") e Jorge de Altinho ("Jeito Manhoso").
Como se vê, uma integração nordestina, das mais salutares, nas quais talentos autênticos se intercambiam dentro da música descontraída, gostosa - com gosto de terra. O que dizer, por exemplo, de Gonzagão, que, aos 74 anos, lançando um lp por ano - sempre pela RCA - é o exemplo maior da longevidade produtiva. O tempo passa, os modismos são esquecidos sazonalmente, mas o estilo do grande pernambucano - em sua simplicidade e beleza - permanece, mesmo partindo dos temas mais simples ou num risco que poderia comprometê-lo em termos de imagem, homenageando a dois governadores, Roberto Magalhães (Pernambuco) e Gonzaga Mota (Ceará), com a faixa "Rodovia Asa Branca", grato por sua cidade natal, Exu, estar hoje ligada por asfalto ao resto do Brasil.
Gonzaga não fica apenas nas suas composições - embora quatro faixas desse novo lp ("Forró de Cabo a Rabo", "Rodovia Asa Branca", "Viva Meu Padim" e "Adrilha Chorona"), sejam de sua autoria - esta última com a participação especial de outro nordestino famoso, o cearense Chico Anísio. Admirador do gaúcho Renato Borghetti, gravou uma de suas composições - "Forrónerão" (mistura de Forró e Vanerão), com a participação de Borghettinho (elogiado por Gonzaga na introdução) e uma citação incidental de "Jardim da Saudade" de Lupicínio Rodrigues.
Discípulo fiel de Gonzaga, Dominguinhos também não se afasta das raízes mais autênticas embora, naturalmente, busque parceiros novos como Nando Cordel (de quem, aliás, também a RCA, está lançando um novo lp) em "Eu me Derreto" e "Quero Nem Saber", "Gostoso Demais" - além das colaborações com sua esposa e parceira, a bonita Guadalupe ("Quero Ver Você Feliz"), em participação vocal em "Gostoso Demais". Uma curiosa revisitação de um clássico instrumental de Ratinho (Severino Rangel de Carvalho, 1896-1972) - o choro "Saxofone, por que Choras?", mostra o virtuosismo de Dominguinhos no acordeon.
Para a beleza deste "Gostoso Demais" contribui não apenas a indiscutível competência instrumental de Dominguinhos, seu bom gosto na escolha do repertório, mas a felicidade de contar com um mestre do acordeon - Chiquinho (Romeu Seibel, Santa Cruz do Sul, RS, 7/11/1928) como arranjador, regente e, naturalmente, também em participações especiais. Outros bons instrumentistas e um suave vocal (Roberto Corrêa, Paulo Massadas, Jussara Lourenço, Renato Moraes e Guadalupe) complementam o clima enternecedor, nacionalisticamente profundo desta nova presença sonora de Dominguinhos.
Marinês e sua gente - Também foi Chiquinho do Acordeon que garantiu ao elepê de Marinês e Sua Gente um tratamento especial. São arranjos que sem retirarem a espontaneidade e sinceridade em suas interpretações - que a caracterizam como uma das artistas mais populares do Nordeste - elevam, sem favor, a qualidade das interpretações. A discografia de Marinês e Sua Gente é grande - mas desconhecida no Sul, já que visou sempre o mercado nordestino (é bom lembrar que "Eu Só Quero Um Xodó", de Dominguinhos e Anastácia, antes de se tornar sucesso com Gilberto Gil, foi gravado por Marinês). O repertório de Marinês é diversificado - embora com a identidade nordestina: Onildo Almeida, Janduhy Finizola - entre os compositores mais veteranos, ao lado desta nova geração de nordestinos apegados às raízes como Luiz Queiroga ("Olê Laurindo") e Nando Cornel ("Jeito Manhoso", "O Bom Mesmo é Vadiar", com a participação de Dominguinhos). Gilberto Gil além de autor de "Doida Por Uma Folia" teve participação especial em "Quatro Cravos na Lapela" (Jarba Mariz - Catia da França).
Um outro exemplo de música nordestina é o que nos traz Severo e Teresa Rios ("No Forró Eu e Ela", Jangada/Odeon). Excelente acordeonista - do que dá provas numa faixa ("Sem Eira, Nem Beira"), que chega a momentos de virtuose, Severo divide com Jaguar a parceria de cinco das dez faixas deste elepê alegre, movimentado e com um excelente feeling.
A voz de Teresa Rios - uma bela morena, a julgar pela foto de capa - não chega a ter a potência/experiência de Marinês mas não compromete e o acordeon de Severo é movimentadíssimo. Além de suas músicas em parceria com Jaguar, há um emocionante "Jackson no Forró" - homenagem ao grande Jackson do Pandeiro (José Gomes Filho, 1919-1984) e o eletrizante "Capucho no Frevo".
Nando & Alceu - Numa demonstração do ecletismo e abertura da música nordestina, novos intérpretes têm surgido, alcançando empatias com faixas mais jovens, somando toda a carga da música tradicional com influências até pop-contemporâneas. Um exemplo destes intérpretes-compositores internacionalizando a música brasileira, via Nordeste, é Alceu Valença, hoje um superstar, que após ter o seu "Estação da Luz" como um dos destaques de 1985, tem agora reeditado, via RCA, o álbum gravado ao vivo no Festival de Montreaux, há dois anos. Lançado originalmente pela Barclay, agora, com a passagem deste selo para a RCA, a RCA decidiu recolocar no mercado os momentos marcantes que Alceu, acompanhado de Jurim (bateria), Miranda (teclados/vocal), Zé da Flauta, Paulo Rafael (guitarra, viola e vocal), o acordeonista Severo, mais Firmino na percussão e Jorge Degas, no baixo e vocal, tiveram no festival de jazz de Montreaux há quatro anos passados. Assim, temas como "Guerreiro", "Cavalo de Pau", "Talismã", "Casinha de Buinha", "Eu Te Amo", "Pelas Ruas Que Andei", "Papagaio do Futuro", ao lado de temas de outros autores como "No Balanço da Canoa" (Toinho de Alagoas) ou o frevo "Lenha no Fogo" (Carlos Fernando), que, com força, chegaram aos europeus, em Montreaux, podem agora, novamente serem apreciados.
Nando Cordel antes mesmo de fazer o seu primeiro disco ("Folha, Rama, Cheiro e Flores", Polygram, 1982) já tinha visto suas composições em vozes de gente famosa, entre outros Elba Ramalho e Dominguinhos, seu parceiro. Em 1983, ao fazer "Estrela Afoita" (Barclay), Nando já mostrava maior vigor e agora, chegando ao seu terceiro lp ("É De Dar Água Na Boca", RCA), confirma que caminha cada vez mais para se transformar num dos grandes nomes não só da música nordestina, mas da própria MPB. Pois, como Dominguinhos, Nando sem fugir às raízes nordestinas, consegue uni-las às harmonias de outros ritmos musicais, como o faz, por exemplo em "Você Endoideceu Meu Coração", um xote com cheiro jamaicano ou em "Daí", um frevo-canção.
Para Michael Sullivan, produtor deste elepê, "Nando é uma figura de cordel".
- "Ele tem muito verde, muito de vanguarda!"
Miguel Plopschi, diretor artístico da RCA, a propósito do lp de Nando Cordel, vê com entusiasmo este segmento do mercado:
- "Aos poucos, com o aperfeiçoamento dos novos, o forró poderá romper seu circuito tradicional, ainda situado no Norte/Nordeste e ganhar o eixo Rio-São Paulo."
Isto explica por que a RCA, com oportunidade, está acreditando neste gênero. E com isto ganha a nossa MPB. Para Sullivan, Nando é um dos novos com maiores chances de estourar em vendas.
- "Como seu parceiro Dominguinhos, ele é bom para se curtir dançando num forró, como para se ouvir."
Com a participação especial de Amelinha, bela voz paraibana, contratada da CBS, e "É De Dar Água na Boca", este elepê traz um punhado de composições de Nando como "Caidinho Por Você", "Forró do Pega-Rola", "Num Balanço Desse", "Amor Imenso", "Você Endoideceu Meu Coração", "Gemer No Teu Amor", "Provocando" e "Que Saudade". Em parceria com Dominguinhos, "Coração Menino" (neste com a participação do próprio Dominguinhos) e "De Volta Pro Aconchego", enquanto que "Tá Gostoso", a única faixa de outro autor - (Manoel Tarcito), também teve a participação de Dominguinhos. São 13 músicas interessantes - do arrasta-pé à toada urbana, do xote mesclado ao reggae até o frevo-frevado. Um bom disco.
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