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Aramis

O Carnaval segundo Eneida

"Eu não chorei porque não sei chorar Nem reclamei, porque não sou de reclamar Só exaltei Eneida, amor e fantasia Cantei entrudo Zé Pereira é o rei da folia" (Samba-de-enredo do Salgueiro, "Boi da Cara Preta / Eneida, Amor e Fantasia"). Há exatamente 24 anos, quando já era um próspero e animado promotor de eventos, o então publicitário Bayard Osna - hoje cinqüentão, presidente do Coritiba F.C., teve uma oportunidade de conhecer e se tornar amigo de uma das personalidades mais notáveis da vida intelectual brasileira: a cronista Eneida (Costa) de Morais (Belém, 23/10/1904 - Rio de Janeiro, 27/04/1971). Ivo Arzua, prefeito de Curitiba em 1963, havia decidido fazer um baile oficial de Carnaval, traje a rigor, no Concórdia - uma semana antes da festa na rua. Foram convidadas personalidades ligadas ao Carnaval, do Rio de Janeiro, para darem maior brilho ao baile - que, entretanto, não teve o prestigiamento da chamada classe A e foi melancólico com seus salões vazios. Valeu, entretanto, por ter proporcionado que a grande Eneida, jornalista, intelectual, corajosa ativista política dos anos 30/40, viesse a Curitiba. Animada, comunicativa, mostrou ser boa de copo e foi uma das pessoas mais comunicativas daquela noite. Que o diga, o Bayard, fiel escudeiro em sua circulada carnavalesca curitibana. Cronista do "Diário de Notícias", do início dos anos 50 até a sua morte, Eneida era conhecida como a maior foliã do Carnaval carioca, criadora do famoso "Baile dos Pierrôs", realizado todos os anos. Produziu espetáculos maravilhosos - como "Carnavalha" (registrados em dois discos da extinta Codil, hoje raridades), em 1968, reunindo Marlene, Blecaute e Nuno Rolandmas. Sua obra mais famosa foi "História do Carnaval Carioca", publicada em 1958 - e que sete anos depois seria tema do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro. Ficcionista também - deixou bons contos, e é lembrada sempre como grande amiga e por sua lealdade política - comunista, sofreu torturas e perseguições durante o Estado Novo. Há muito que "História do Carnaval Carioca" merecia uma reedição, o que aconteceu neste início de ano, graças a Record (262 páginas, Cz$ 539,00). Não se trata apenas de uma reedição: o editor Alfredo Machado soube, inteligentemente, buscar um dos maiores estudiosos do Carnaval para revisar e ampliar a obra de Eneida. Haroldo Costa, produtor e diretor de shows, criador do conjunto "Brasiliana" que por mais de 15 anos divulgou a música e a dança brasileira no Exterior. Haroldo, com precisão, diz que "a leitura do livro de Eneida, que foi enredo da escola Acadêmicos do Salgueiro em 1965 e a tornou campeã do IV Centenário do Rio de Janeiro, nos revela o inquieto espírito carnavalesco da autora e mostra o retrato de corpo inteiro de uma mulher identificada com a alma popular, tanto nos seus anseios quanto na sua alegria". Trata-se de uma obra básica, escrita por quem de fato amava o Carnaval e que relembra suas origens, os bailes, o Zé Pereira, as máscaras e fantasias, os lança-perfumes, os ranchos e blocos, o célebre Bola Preta, as bandas, as músicas, os desfiles, as batalhas de confetes, tudo, enfim, que projetou essa grande festa popular para os quatro cantos do mundo. Há ainda páginas ilustradas com fotos da época. Haroldo Costa, autor já de outros livros fundamentais sobre MPB - "É Hoje!" (com ilustrações de seu concunhado, o chargista Lan), "Salgueiro: Academias do Samba" e "Fala, Crioulo", soube fazer um belo trabalho, complementando o livro de Eneida e evitando, assim, que as três décadas que separam seu lançamento, tenham provocado uma lacuna. "História do Carnaval Carioca" se constitui um livro-revelação para a maioria dos leitores, pois Eneida soube entender os lances históricos importantes da festa popular com a nossa vida social e política, pois, como já definiu o antropólogo Roberto da Matta, vivemos num país de carnavais, malandros e heróis. Haroldo Costa, com precisão, assim resume a sua importância: - "O livro de Eneida pode ser analisado sob vários aspectos, mas há um que o eleva à condição de obra maior: a solidariedade à criação popular". xxx A propósito de Carnaval, Betty Milan acaba de lançar "Os Bastidores do Carnaval" (edição "A Outra", Cz$ 2.500,00 o exemplar). Ilustrado com fotos do cineasta Jorge Bodanski e Jorge Hirata, Betty Milan entrevistou diversos carnavalescos do Rio e contraria que o Carnaval significa dias de esquecimento" - "Na verdade, é o dia da nossa memória, quando recriamos a nossa identidade cultural e ética. Por isso montei esse livro que me consumiu oito anos: porque a cultura oficial considera que mostrar o Brasil através do Carnaval é folclorizar o País, quando os quatro dias de folia são nosso maior evento cultural, nossa ópera de rua, assim como existem na Europa as óperas em recintos fechados". É um livro luxuoso, caro, escrito em português, inglês e francês. A autora, paulista, 40 anos, se entusiasmou tanto pelo estudo que acabou desfilando numa escola de samba. LEGENDA FOTO - Haroldo Costa: ampliando a História do Carnaval, segundo Eneida.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
20/02/1988
Extraordinária Eneida, sinplesmente Eneida; eu a conheci e lembro-me dá última cena, em meados de 70/71,pouco antes dela morrer: pediu-me para sair de perto de ventilador de pé quando ela estava sendo entrevistada por um jornal local aqui de belém. Eu devia ter uns 8 anos. Abraços.

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