O talento brabo da bela cantriz Denize
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de setembro de 1990
Meu pai, gravei para sempre
No meu pensamento
Terno claro, preto de sapato
branco
A voz gutural, com uma sensibilidade selvagem, é o canto de amor filial, faixa de abertura com que Denise Assunção, 34 anos, em parceria com o irmão famoso, Itamar, 41, abrem "A Maior Bandeira Brasileira" (produção independente, distribuída pela Baratos Afins, abril/90), disco que vale a esta cantriz crioula, beleza muito pessoal, quilometragem paranaense e hoje vivendo na Suiça, uma atenção especial.
Dedicada ao velho Januário Assunção (1920-1975), lavrador negro, no Tietê - onde nasceram Denise, Itamar e Narciso, este hoje aos 42 anos, jornalista e ator, radicado em Curitiba, "Nosso Pai", música de abertura é uma parceria de Denise e seu irmão Itamar, um instrumentista-compositor-cantor cult, respeitado na vanguarda paulista e que apesar de um trabalho extremamente pessoal já fez temporadas de sucesso na Europa e gravou três elepês - todos independentes. Itamar é também autor de seis outras faixas do disco - "Hard Feeling", parceria com Paulo Leminski (1954-1989) - com quem fez inúmeras músicas; "Toque Me", com letra de Alice Ruiz; "Araponga", com Neuza Pinheiro, mais "Planeta X", "Gaby" e "Coração Absurdo". Apenas uma música de outros autores, "Pulsars e Quasars" (Jards Macalé/Capinam) entrou neste álbum que sem qualquer esquema promocional, difícil inclusive de ser encontrado nas lojas (pode ser solicitado a Baratos Afins, avenida São João, 439, 2º, loja 316/318, São Paulo, CEP 01035), pode valer a Denise a distinção de revelação do ano.
Antes de tudo ela se considera uma atriz - e não é gratuito a inscrição de "atriz" na capa do disco, identificando-a como intérprete dos palcos. Foi Narciso Assumpção, que a levou, aos 13 anos de idade para participar da montagem que Nitis Jacom fez em Londrina de "Arena Conta Zumbi". Denise já havia se revelado como percussionista e no palco mostrou o seu lado de atriz-gata, esguia, de uma beleza e dramaticidade especial. Oracy Gemba, então ativíssimo no teatro paranaense, a convocou para o elenco de "A Torre em Concurso", montado no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto e não deu outra: Foi considerada a melhor coadjuvante e algumas encenações posteriores depois já chegava ao Rio, trabalhando com Luís Mendonça e João das Neves. Na montagem de "Macunaíma", de Antunes Filho, acabou indo para a Europa onde, há dez anos, plantou amizades que lhe valeram convites para retornar posteriormente.
Seu lado de cantora foi estimulado quando Itamar a convocou para fazer parte de sua banda "Isca de Polícia", do que resultou o primeiro LP. Com esta banda voltaria a Europa, reencontraria os amigos e até acabaria casando com um loiro aristocrata suíço.
Este ano, voltou a São Paulo e gravou "A Maior Bandeira Brasileira", que ganhou elogios da crítica e entusiasmo dos ouvidos mais limpos que penetraram em seu estilo, pois como disse o "Jornal da Tarde", "o disco de Denise tem uma música forte: a cantora coloca sua voz não como um brilhante solitário, mas como uma pérola maior num colar em que as demais pérolas são integrantes de sua afiada banda". Apesar de problemas na mixagem - o que prejudica a própria dicção da cantora - este disco mostra uma cantora originalíssima, que ao vivo poderá ser melhor apreciada em próxima temporada já marcada para o Teatro do Paiol dentro de algumas semanas.
É uma pena, como escreveu o jornalista José Henrique da Cruz, que Denise Assumpção não tenha seu disco executado no cartel das FMs - que insistem em ignorar talentos originais. Entretanto, quem souber ouvi-la vai mergulhar num universo sonoro cuja química resulta em sugestões rítmicas várias, em funções sutis do samba, jazz, rock, xote, baião... urbanidade. O trompetista Faria, o trombonista Bocato e o próprio mano Itamar, na percussão, deram uma contribuição importante, somando-se aos teclados de Adriano Augusto, guitarra de Celmo Reis, baixo de Homero Feijó e bateria de Marcus Vinícius.
Glória Flugel, fotógrafa que também teve sua passagem curitibana antes de se firmar em São Paulo, fez a bela foto em torno da qual Eva Pinheiro criou a capa, traduzindo um pouco do universo e Curitiba, divide hoje seu tempo entre São Paulo e a Suiça. Para justo corujismo do irmão Narciso, que como ator, teve sua interpretação de alguns textos de "Orfeu do Carnaval", de Vinícius de Moraes, sua mais recente atuação no palco do Paiol.
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