Ora, viva! Um lp de Guiomar Novaes
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de novembro de 1974
Maurício Quadrio, diretor de projetos especiais da Phonogram, é um dos nossos record-men que mais defende a importância dos grandes nomes de nossa música erudita fazerem gravações no Brasil. Assim é que tem se empenhado para que intérpretes da dimensão de Magdalena Tagliaferro, Marlos Nobre (também maestro, regente da Orquestra da Rádio MEC) e Guiomar Novaes façam bons discos em nosso País. Felizmente, hoje outras gravadoras, além da Phonogram e Odeon - começaram a dar atenção para o gênero erudito, não apenas lançando bons lps internacionais, mas investindo na produção de discos com nossos pianistas, violinistas e mesmo orquestras, [apesar] do alto custo de tais realizações.
A Fermata, gravadora de São Paulo que após um período de estagnação está em busca do tempo perdido, tem feito alguns importantíssimos lançamentos de música erudita, ao qual agora vem de se acrescentar um lançamento realmente importante: um disco da pianista Guiomar Novaes, que apesar de ter dezenas de importantes álbuns gravados em vários países, nunca tinha feito um LP no Brasil. Paulista de São João da Boa Vista, 78 anos, Guiomar Novaes iniciou seus estudos musicais com Luigi Chiafarelli. Em 1908, apresentou-se pela primeira vez ao público do Rio de Janeiro, executando a "Fantasia triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro" de Gottschalk. Como bolsista do governo de São Paulo foi a Paris (1909) onde conquistou o primeiro lugar no concurso de admissão ao Conservatório, examinada, entre outros, por Claude Debussy, e sob a presidência de Gabriel Fauré. Ainda em Paris, estudou durante dois anos com I. Philipp, obteve o primeiro [prêmio] do Conservatório e iniciou sua carreira de concertista, ainda como aluna, em notável recital na sala Érard (1911). Desde então foi sempre vivamente aplaudida e apreciada em suas inúmeras tournées pelos EUA, Canadá, América do Sul, Europa etc. Suas interpretações caracterizam-se pela pureza da sonoridade e domínio da técnica do teclado.
Seus recitais se tornaram lendários em todo o mundo e Guiomar tem gravado nas mais importantes gravadoras da Europa e Estados Unidos. Apesar de seu sucesso internacional, sempre fez questão de conservar sua nacionalidade brasileira (já recebeu insistentes convites para se naturalizar cidadã norte-americana) e como lembrou o crítico Eurico Nogueira França ("Correio da Manhã, 2/9/69), "o que talvez ainda não se disse dela - cujos méritos já esgotaram todos os comentários possíveis - é que Guiomar tem um estilo brasileiro de tocar piano". E esta brasilidade de Guiomar Novaes sente-se nesta gravação da Fermata, produzida com o máximo cuidado e enriquecida com notas de contracapa do estudioso Carlos Gonzales, afora uma explicação objetiva sobre cada música escolhida - em textos assinados por Francisco Mignone, Marlos Nobre, Arnaldo Ribeiro, M. Camargo Guarnieri, Heitor Villa-Lobos e a própria pianista. No lado A, temos "Velho Tema", dos "Transcendentais", de Francisco Mignone; seguido de "Cenas Infantis" de Otávio Pinto, "Samba Matuto" (do Iº Ciclo Nordestino) de Marlos Nobre, "Pregão" (da suíte "Imagens Perdidas") de Arnaldo Ribeiro Pinto; "Improvisação nº 1 (sobre o tema "Sereno" de M. Tupinambá) de Souza Lima e "Ponteio nº 30" de C. Guarnieri. No lado B, "Prole do Bebe nº 1", "O Ginete do Pierrosinhm" e "Guia Prático" de Villas-Lobos. Encerrando, a histórica "Grande Fantasia Triunfal" sobre o "Hino Nacional Brasileiro" de Louis Moreau Gottschalk (1829-1869) - justamente a primeira peça executada por Guiomar num concerto - há quase 70 anos.
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