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Aramis

Os inventivos e sacanas anjos da noite de Wilson

"Anjos da Noite" esbanja inteligência e criatividade. Wilson Barros tem a linguagem cinematográfica sob seu jugo. Acelera e diminui o ritmo sem comprometer a tensão. Dialoga diretamente com o espectador, rompendo o discurso tradicional ..." Amir Labak, "Folha de São Paulo" A primeira seqüência é chocante: defronte uma penteadeira, Mauro (Chiquinho Brandão), ator transformista, num monólogo cruel, aparentemente justificando o crime que acaba de cometer: pelo espelho, o espectador vê, numa banheira cheia de água e sangue, o corpo de um homem assassinado. Um crime de amor entre gays? A cena seguinte desmistifica a ilusão proposta. Momentos depois, outra cena dramática: um assassinato em plena rua, quando um jovem yuppie dirigindo um conversível é assassinado por um crioulo disfarçado de vendedor de flores. A câmara se movimenta e o espectador fica na dúvida: verdade ou mentira, ilusão ou realidade? Puzzle inteligentíssimo, um jogo de armar(dilhas) de (com) situações que se alternam a cada corte. "Anjos da Noite" (Cines Lido II / Luz, sessões às 14, 16, 18, 20 e 22 horas) é um desafio extremamente bem humorado a imaginação e a (re)visão do espectador. Não foi sem razão que ao ter sua primeira exibição no XV Festival de Cinema Brasileiro de Gramado (abril/maio /87), "Anjos da Noite" pintou na mesma noite como o grande favorito e, no final, levou os prêmios de direção, atriz (Marília Pêra, dividida com Bety Faria por "Anjos do Arrabalde", de Carlos Reichenbach), ator coadjuvante (Guilherme Leme), fotografia (José Roberto Eliezer), cenografia (Cristiano Amaral/Francisco Andrade), crítica e "Edgar Brasil" (Fotografia). Exibido no II Festival do Cinema Brasileiro de Fortaleza, não competitivo, foi também o favorito do público e, há três semanas, no XX Festival do Cinema Brasileiro de Brasília, levou os Candangos de melhor filme (em Gramado, quem ficou como melhor filme foi "Anjos do Arrabalde", de Carlos Reichenbach), fotografia, prêmio especial da Associação Brasileira de Cineastas (" pela obra de maior criatividade") e troféu imprensa. Realmente, como escreveu o experiente Nelson Hoinef, na "Variety", "Anjos da Noite" é um filme intrigante e imediatamente envolvente, que "tem o cheiro do sucesso inclusive para platéias internacionais". Acima das premiações - e que podem repetir-se em outros festivais (inclusive internacionais, nos quais venha a representar o Brasil), este longa de estréia do paulista Wilson Barros, 36 anos, é um filme que estabelece comunicação como o público. Prova disto foram os aplausos espontâneos recebidos em todas as sessões de festivais nos quais compareceu. Numa época em que o cinema brasileiro se estratifica entre o chamado "cinemão" - bem acabado, mas nem sempre com o vigor necessário - ou busca a linguagem político-social, Wilson Barros optou por um filme Noir, com a ação concentrada dentro de espaço de poucas horas, personagens bem definidos, numa linguagem liberta e inovadora. Adjetivações são perigosas para um filme que flui tão naturalmente como "Anjos da Noite": policial? sexo? comédia? crítica social? Algumas aproximações têm sido (erradamente em nosso entender) feitas entre o "Anjos" de Barros com "Cidade Oculta" de Chico Botelho. Ambos se passam basicamente na noite paulista e com personagens marginais, são obras de ótimo acabamento, mas têm caminhos próprios. O mais estimulante na linguagem de Barros, vindo de um curso de cinema de dois anos em Nova Iorque e ampliando para o longa-metragem uma visão noturna de São Paulo que já havia colocado em curtas elogiadíssimos ("Tigresa", "Maria da Luz" e, especialmente, "Diversões Solitárias"), não se deixar manietar por um roteiro fixo, em situações acabadas. Ao contrário, sendo dono da história (que elaborou quando vivia nos EUA), Wilson colocou muito de si (e de amigos) nos personagens e situações. Junto onde influências que vão de cinemaníaco formado desde a leitura de fofocas da "Cinelândia" dos anos 50 ao cerebralismo do "Cahiers du Cinema". O resultado não poderia ser mais positivo, como ele próprio define: o filme é um painel sobre a noite na metrópole, a respeito das pessoas que nela circulam, vivendo a realidade do mundo urbano excessivo com a solidão, alienação, dificuldade de comunicação. Embora com uma linha narrativa mestre, Barros brinca com o espectador - e tal como o genial Welles fazia em seu último filme ("F for fake... / Verdades e Mentiras"), questiona o que é verdade e o que pode ser ilusão. Diz Barros: - É um jogo onde há momentos em que você não tem certeza se é um filme que está acontecendo, uma peça, ou um vídeo, e os personagens atravessam esses meios todos sem romper uma continuidade de ação". "Anjos da Noite" consegue passar pelo mundo-cane dos homossexuais - com personagens como Mauro, os garotos de aluguel como Teddy (Guilherme Leme) e Guto (Marco Nanini) sem ser chocante; enredar uma trama policial - da misteriosa Malu (Zezé Motta, excelente), uma rica viúva que tem misteriosos (e nunca esclarecidos negócios) com Fôfo (Cláudio Mamberti, num personagem que lembra o mesmo que fez em "Cidade Oculta"), falsos artistas plásticos como Leger (José Rubens Chachá), amantes impetuosos - Bimbo (Aldo Bueno) e Milene (Aida Lerner) e até mulheres ingênuas - como Cissa (Bé Valério), estudante de sociologia ou Maria Clara (Ana Ramalho), candidata a atriz seduzida pelo diretor teatral Jorge (Antônio Fagundes). Mas a grande personagem, que rouba todas as seqüências em que participa é Marília Pêra: como Marta Brum, atriz no crepúsculo de sua glória, é divinamente hilariante em suas intervenções, com gags extraordinárias e uma emocionante cena de dança, no qual, ao lado de Teddy, recria a mais bela seqüência de "A Roda da Fortuna" (The Band Wagon, 53, de Vincente Minelli), em que Cyd Charysse (no auge de sua forma) e Fred Astaire bailavam com a perfeita coreografia de "Dancing In The Dark". Só por esta seqüência - homenagem declarada de Wilson Barros aos musicais que o encantaram em sua infância - dá a "Anjos da Noite" um toque todo pessoal, justamente sendo uma referência a um filme estrangeiro. Mas preconceitos a parte, seu filme é justamente belo e significativo por ser assumidamente pessoal e honesto ("imagens que permaneceram em minha memória somadas a observações de pessoas, cidades e noites"). Referências afetivas - como Arrigo Barnabé aparecendo como pianista de boate, o humor surgindo no momento menos esperado e a produção cuidadosa de André Klotzel (o diretor de "A Marvada Carne"), com a premiada fotografia de Eliezer, cenografia da dupla Cristiano Amaral/Francisco Andrada e a música ajustadíssima ( Sérvulo Augusto), fazem de "Anjos da Noite" um dos melhores filmes do ano. Fugindo da mesmice, inovador e criativo, sarcástico e sacana, eis uma agradável surpresa do cinema brasileiro nestes tempos em que, como tão bem lembrou Rogério Menezes ("Folha da Tarde") nossos cineastas parecem ter esquecido um princípio que deve nortear qualquer tipo de arte: correr riscos. Wilson Barros assume os riscos - inclusive do discutido happy end soando um pouco a "Doce Vida" (e artificial, dentro do clima do filme) - mas não se arrepende: realizou uma obra de firmeza e resistência pessoal, que merece ser vista. LEGENDA FOTO - Zezé Motta em "Anjos da Noite": o grande premiado nos festivais de Gramado e Brasília, em exibição no Lido II e Luz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/11/1987
Ola parabens pela materia sobre o filme anjos da noite nunca tive o conhecimento desse filme __ADOREI O FILME fez lembrar a linha dos filmes de ALMODOVAR ___ MORENO AUS ZÜRICH-SUIçA ____________

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