Os livros de James que chegaram à tela
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de setembro de 1986
Há 12 anos, dois filmes baseados em obras de Henry James faziam com que se voltassem as atenções para este americano que se naturalizou inglês e que mudou radicalmente o ponto de vista narrativo, instaurando o personagem refletor, único intermediário entre o autor e o leitor. Quase sempre na terceira pessoa, suas obras utilizam um personagem que narra uma história, às vezes não presenciada mas apreendida de segunda ou terceira mão. Limitado o conhecimento do leitor pelo ponto-de-vista necessariamente parcial do narrador, a criação literária se define por uma busca incansável e condenada ao fracasso de verdade. Tudo se organiza em torno do estigma inatingível em seu núcleo mais íntimo.
Dois filmes baseados em seus textos, o mais conhecido é justamente o que tem o fantástico, o sobrenatural como tema: a novela "The Turn of the Screw" ("A outra volta do paraíso", edição da Civilização Brasileira, 1962), que se transformou num clássico de Jack Clayton ("Os Inocentes", 61, com Déborah Kerr e Michael Redgrave - por coincidência pai de Vanessa) e teve uma medíocre seqüência, 9 anos depois ("Os que chegam com a noite/ The Nightcomers, 70), com Marlon Brando numa das mais infelizes atuações de sua carreira.
Em 1949, Willian Wyller (1902-1981) havia transposto à tela, com imensa dignidade, o seu "Washington Square", que se chamou no cinema "The Heiress" ( no Brasil, "Tarde Demais") , obtendo nada menos que oito indicações ao oscar - duas das quais foi vencedor: atriz (Olívia de Havilland) e cenografia em branco e preto (Edith Head/ Gile Steele).
Em 1974, simultaneamente, o americano Peter Bogdanovich, fracassava ao tentar numa superprodução transpor o intimismo de "Daisy Miller" baseado na novela de James, de 1879, enquanto Claude Chabrol realizava uma média-metragem, "Le Banc de la Desolation" (nunca exibido no Brasil), baseado em "De Gray, uma narração romanesca"- e que tinha uma história relacionada com o sobrenatural (Temática constante em sua obra): uma maldição fez com que os homens de uma família, ao se apaixonarem por uma mulher, provoquem a sua morte. Já "Daisy Miller" era definido pelo diretor Bogdanovich como "uma amarga história de amor, timidez e oportunidades perdidas". A ação se desenrola em Roma, onde uma jovem americana, rica, sem preconceitos e coquete, passa uma temporada com a família.
Auto-exilado na Europa, complexo em seu mundo - homossexual jamais assumido, Henry James realizou uma obra marcante e profunda, que, em transposições para a tela - ( como neste "Os Bostonianos") pode chegar a novas faixas de leitores. Alías, escolher um título para inaugurar a coleção "Novelas do Mundo" (Rocco Edições), Fernando Sabino optou por um dos mais importantes textos de Henry James, "A Fera na Floresta"- numa edição que encontrou boa vendagem junto ao público jovem.
Num belo estudo sobre Henry James, Edilberto Coutinho, escritor e ensaista de raízes curitibanas, bem definiu sua importância: "A cavalo sobre dois séculos e duas civilizações, James não se sentiu à vontade em nenhuma parte, salvo no reino da palavra, sua verdadeira pátria. Lá construiu um mundo à parte onde transfigurou suas experiências, indizíveis com a morte, o sobrenatural, o Mal, a ausência e o enigma. Julgado por muito tempo um amável, embora complexo, cronista de uma classe em decadência, James ganha hoje uma atualidade que devolve à sua obra as proporções justas: uma comédia humana fin de siècle."
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