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Aramis

Os tangos e boleros com Luna e Agostinho na arte do encontro

Fundada há 37 anos, como um modesto estúdio, a RGE se constitui ao lado da Continental, a única marca basicamente nacional - já que a terceira que resistia, a Copacabana, foi vendida - em seu acervo e selos - para o grupo Sony. Ao longo de quase quatro décadas, a RGE reuniu um acervo notável, pois foi quem lançou cantoras como Maysa, Agostinho Rodrigues, orquestra como a do italiano Simonetti e Pocho, conjuntos marcantes da Bossa Nova como o Zimbro Trio, e compositores revelando-se intérpretes como Chico Buarque, Toquinho e Vinícius de Moraes - só para citar alguns exemplos. Diante do extraordinário acervo que dispunha, um dos mais competentes executivos da fonografia brasileira, Wilson Rodrigues Pozo, vem há três anos promovendo reedições caprichadas - seja em caixas com cinco elepês, reunindo o melhor da produção de cada escolhido (assim já saíram volumes dedicados a Chico, Maysa, Pedrinho Mattar), seja através de edições isoladas - como a série resgatando a fase dos festivais da Record e, agora, uma nova coleção - "A Arte do Encontro". A exemplo do que outro record-men de extraordinária visão, Maurício Quadrio, já havia feito para a CBS (hoje Sony), Pozo desenvolveu um projeto econômico: em capas simples, reunindo dois elepês, com "The Best of" de grandes nomes - tão conhecidos que chegam a dispensar maiores apresentações. Assim é que para esta série - ao contrário do que acontece nas caixas (que são acompanhadas de encartes, com fotos e textos), não há informações adicionais maiores, para baratear a produção e possibilitar que nestes dias de crise, com as vendas caindo cada vez mais, a RGE possa competir saudavelmente com produtos populares, de rápido retorno e preços atraentes. O primeiro pacote de "A Arte do Encontro" reúne volumes com Maysa e Maria Creuza; Rolando Boldrin e Almir Sater; Toquinho e Paulinho Nogueira, e Roberto Luna e Agostinho dos Santos. Dos seis primeiros, é desnecessário gastar espaço para falar - já que são artistas por demais conhecidos e populares. Em relação ao último volume, necessário refrescar a memória dos mais jovens. Roberto Luna (Valdemar Farias), paraibano da localidade de Serraria, 62 anos a serem completados no próximo dia 1º de dezembro, é o exemplo de uma época muito romântica da música urbana: a dos tangos e boleros em versões. Tendo feito sua carreira no Rio, Luna - nome artístico que ganhou do cantor Afrânio Rodrigues, quando trabalhava em shows de Chianca de Garcia - só começaria a cantar em 1951, quase 20 anos depois de ter deixado a Paraíba e vindo tentar a sorte na Cidade Maravilhosa. Começou em trabalhos humildes com o ator Ziembinski, foi bilheteiro, divulgador de companhias de teatro mas seria como cantor romântico que apareceria na Rádio Guanabara, passando depois pela Nacional, Globo e Marink Veiga. Em 1952, gravou seu primeiro disco ("Por quanto Tempo ainda" e "Linda", Star) e seria como intérprete de versões que se projetaria na década de 50, com boleros como "História de um Amor" e o tango "El Dia que me Quieras". Em 1961, contratado pela RGE, ali gravou o elepê "Adios, Pampa Mia e outros Tangos Famosos", do qual foram extraídas algumas faixas deste elepê - incluindo além do clássico de Gardel/Pera, também "Porteiro, Suba e Diga...", "Loucura, Loucura" e "Uma Lágrima Tua" - mas no qual estão também versões de "Petit Fleur" (Sidney Bechet) e "Charlemos com Ayer" (Roberto Cantoral), além de uma letra que o versionista Fred Jorge inventou para "Sonho de Amor" (Liszt). Apesar de ter um público fiel - e em 1968 ter se revelado bom ator no vanguardista filme "O Bandido da Luz Vermelha", de Rogério Sganzerla - Luna afastou-se do rádio e dos discos, limitando-se à vida noturna - o que explica o seu ostracismo dos meios de comunicação. Já Agostinho dos Santos, uma das mais aveludadas vozes dos anos 50 e 60, teve sua carreira cortada em 12/07/1973, quando foi uma das vítimas do trágico acidente no vôo da Varig no aeroporto de Orly, em Paris. Paulista da capital (25/04/1931), começou sua carreira como crooner da orquestra de Osmar Milani no Avenida Danças e fazendo programas de calouros, e em 1951 - coincidentemente o mesmo ano em que Luna também se iniciava no Rio de Janeiro - Agostinho estreou na Rádio América de São Paulo. Sua carreira deslancharia em 1955, com a gravação de "My Little One", de Frankie Lane ("Meu Benzinho"), e no ano seguinte já faria seu elepê "Uma Voz e seus Sucessos" - com músicas de Tom e Dolores Duran, entre as quais a antológica "Estrado do Sol". Sua voz suave levaria Vinícius e Tom a indicá-lo para interpretar as canções do filme "Orfeu do Carnaval", na qual acompanhado de por João Gilberto, fez com que "Manhã de Carnaval" (Vinícius / Bonfá) e "A Felicidade" (Vinícius / Tom) se tornassem êxitos internacionais. Em 1958 entraria na então nascente RGE, onde fez muitos elepês marcantes ("O Inimitável Agostinho", "Agostinho, sempre Agostinho", etc.) e em 1962, já um nome consagrado - embora não fosse exatamente um bossa novista - participava do famoso Festival do Carnegie Hall cantando com o conjunto de Oscar Castro Neves. Com carreira internacionalizando-se, grande dignidade artística e pessoal, estava no auge de seu sucesso quando morreu. Para esta reedição, foram escolhidas oito versões, que apesar de românticas e bonitas, não constituem o melhor do que deixou na RGE - que fica a dever um novo álbum deste grande intérprete: a "Oracion Caribe", "Aqueles Olhos Verdes", "Amor", "Escreva-me", "Olhos Castanhos", "Angelitos Negros", "Minha Oração", "Flamingo" e "Suave é a Noite" - esta tema que Webster / Fain criaram para o filme de King Vidor (1961), que teve seu lançamento em português na voz de Moacir Franco - outro cantor dos anos 50/60, hoje totalmente esquecido. xxx Outra reedição da RGE - só que fora da coleção "A Arte do Encontro", é o disco de capa simples com 2 elepês, dedicado a Francisco Petrônio, 68 anos a serem completados no próximo dia 8, e que continua em forma - dentro de um estilo que tem um público fidelíssimo: a seresta. De origens humildes - era motorista de táxi, começou sua carreira somente em 1961, levado à Rádio Tupi, em São Paulo, pelo sambista Nerino Silva, e logo gravaria um compacto na Chantecler ("Agora" e "Não me Fale Dela"). Especializando-se na música da velha guarda, adquiriu grande popularidade e permaneceu por anos contratado na Chanceler / Continental, fazendo também carreira com os "Bailes da Saudade". De gravações que a RGE reuniu de registros da Continental (e também alguns da BMG e Discovídeo), foi montada agora esta antologia com 30 faixas, incluindo versões, valsas, serestas e mesmo versões de temas cinematográficos recentes - como "Em Algum Lugar do Passado" (John Barry). Suave, romântico, harmonioso, Petrônio tem o seu público e a montagem deste álbum - possivelmente previsto também para a edição em CD - deve atingir aquela faixa acima dos 50 anos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
4
03/11/1991

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